Por que não devemos nos esquecer da morte de Jadson?

Paula Parreiras e Daniel da Silveira



No último dia 24 de janeiro foi assassinado, na praia de Lagoinha do Norte, em Florianópolis, um vendedor ambulante. Seu nome era Jadson Pereira da Silva, de apenas 23 anos. Ele era nordestino, natural de Maceió, Alagoas.

Seu assassinato aconteceu num domingo ensolarado, em uma praia cheia de banhistas. E ocorreu em frente a um posto salva-vidas dos bombeiros. O assassinato, segundo testemunhas, foi precedido de uma perseguição por parte de dois homens ao vendedor ambulante, que teria sido atingido por golpes de um instrumento perfurante.

O socorro chegou tarde e Jadson faleceu antes de poder ser levado para um hospital ou qualquer outra unidade de atendimento equipada que pudesse salvar sua vida. Antes de morrer, Jadson teve forças de pronunciar um nome que acredita-se que pode ser de um dos seus assassinos. Mesmo com tantas testemunhas, incluindo a esposa de Jadson que presenciou tudo, até agora os assassinos não foram pegos.

Essa triste notícia nos coloca, em primeiro lugar, em solidariedade com a sua companheira que viu a morte de Jadson e deve agora, junto da dor da perda, temer por sua própria vida. Mas a morte de Jadson nos faz pensar muitas outras coisas que estão diretamente ligadas a sua morte e que geram essas tragédias pessoais que não podemos esquecer.

Nos faz pensar sobre a condição do trabalhador informal e nos faz refletir sobre todo o discurso racista e xenófobo que existiu ao redor da morte de Jadson realizados pela prefeitura, empresários e a grande mídia.


O trabalhador informal

Sempre existiu uma condição de extrema exploração para os trabalhadores de temporada em Florianópolis e nas mais diversas cidades turísticas do país. Muitos não possuem qualquer direito trabalhista e são empurrados para a informalidade. É recorrente a utilização de sua mão de obra em bares, restaurantes, hotéis e demais serviços. O perfil são de trabalhadores negros, mulheres, LGBTs, jovens que estão desempregados ou subempregados e pessoas que saem de regiões mais pobres, como o nordeste. Basicamente só trabalham e trabalham nos verões. O lazer e a curtição dos locais turísticos são reservados aos turistas. São momentos raros, se existem, para os informais.

A grande exploração dessa força de trabalho está a serviço da engorda rápida dos lucros empresariais que precisam ligeiramente dar bons resultados e normalmente tem como centro de suas atividades as curtas temporadas de verão. O atual aumento dos turistas em Florianópolis, principalmente de estrangeiros – muito em decorrência ao aumento do dólar – em nada representou de melhorias reais a esses trabalhadores. Somente representou mais ganhos aos empresários.

Também como uma expressão da informalidade temos a atividade dos vendedores ambulantes na busca da dura luta pela sobrevivência. Esses são os trabalhadores que não foram absorvidos nos negócios e nos empreendimentos formais de pequenos e grandes empresários e, então, têm que se virar como podem. Vendem queijos coalhos, bebidas, cangas, redes e os mais variados produtos.

Muitos desses ambulantes não conseguem sequer as licenças legais para exercer seu ganha pão com o mínimo de segurança, e, por isso, são os mais vulneráveis. Esta função laboral, a de trabalhador(a) ambulante, é normalmente reservado aos que vêm de outras cidades ou regiões, como os nordestinos. Os riscos da informalidade, em especial, para os ambulantes sem licença, não se resumem apenas a falta de proteção das leis trabalhistas e previdenciárias – que bem dizer são insuficientes – ou qualquer outra garantia legal. Mas se ampliam a outros tipos de riscos, como a vulnerabilidade diante de extorsões e repressão de todo tipo por parte do Estado ou de setores empresariais que os veem como ameaças.

Informalidade que tende a aumentar no país com o acirramento da crise econômica. O Brasil, segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego, contrariando as promessas de Dilma e do PT de defesa do emprego, teve no ano passado o fechamento de 1,5 milhão de postos de trabalho formais, o pior resultado desde 1992.


O discurso de ódio

O presidente do Sindicato Patronal dos Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares, Tarcísio Schmidt, declarou à grande imprensa, três dias antes do assassinato de Jadson, que a culpa das viroses que atingem milhares de moradores e turistas de Florianópolis nesse verão seria do queijo coalho vendido pelos nordestinos. Com isso tentava asquerosamente esconder a poluição das praias da cidade, que contabilizou pontos impróprios para banho em 30 de 42 delas.

A grande imprensa mal deu espaço para o assassinato de Jadson e quando deu tentou associar sua morte ao “perigo” que representa para a sociedade esses trabalhadores ambulantes sem licença. A prefeitura de César Jr, através do secretário executivo de serviços públicos, como era de se esperar, foi para a TV reforçar o discurso da grande mídia e do empresariado do setor de turismo contra os ambulantes de que tem que multar e reprimir.

De forma mais ou menos aberta, o que está por trás desse discurso é o ódio contra a pobreza, contra negros e negras e a xenofobia contra nordestinos.


O trabalho informal tem cor no Brasil

A crise econômica que não sai dos noticiários vai representar a piora dramática das condições de vida de milhões de trabalhadores, através principalmente do aumento do desemprego e da disparada da inflação, que já sentimos hoje. Junto vamos ter a precarização cada vez maior do mercado de trabalho com ataques a direitos históricos, como vimos acontecer com o ataque ao seguro-desemprego e a outros direitos trabalhistas e previdenciários, feitos por Dilma e pelo Congresso Nacional comandados por PT, PMDB, PSDB e PSD. Cada vez mais trabalhadores, principalmente as negras e negros, vão ser jogados na informalidade e no subemprego.

O trabalho informal e o subemprego no Brasil tem cor e atinge acima de tudo negras e negros, porque é a continuidade do que representou o fim da escravidão no Brasil para a população negra. Longe da liberdade plena representou ser jogado na marginalidade e estar limitado a um cotidiano de violência e de pobreza. Nada atesta mais isso do que o cotidiano da maioria dos nordestinos ambulantes informais das praias de Florianópolis e da imensa maioria da população negra da cidade.

Os ricos e poderosos vão querer de todo jeito jogar a conta da crise nas nossas costas. O sucesso de seu projeto vai depender, em grande parte, até onde vão conseguir dividir e impedir as mobilizações dos trabalhadores e da juventude. Para isso vão incentivar o racismo, a xenofobia, o machismo e a homofobia para tentar nos dividir. Para fazer com que odiemos e culpemos outros trabalhadores pela crise e o desemprego e não os patrões, os governos e o capitalismo.

Já vemos os sintomas dessa barbarização e banalização dos padrões de vida não só nas mensagens de internet preconceituosas que se espalham, mas recentemente no cruel assassinato de um haitiano no município de Navegantes e de uma criança indígena de 2 anos de idade em Imbituba. Crimes motivados por ódio racial e xenofobia. Agora a forma como tratam a morte de Jadson.

A morte de Jadson não pode passar em vão. É necessário justiça e amparo para a companheira de Jadson e seus familiares, e não sua criminalização. Muito menos a criminalização dos trabalhadores informais nordestinos. Chega de exploração e opressão!

______________________________

Leia também:

Comentários

Postagens mais visitadas