Sobre a greve dos policiais militares no Espírito Santo
Por: Wagner Damasceno
Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO |
Estamos vivendo um aprofundamento da crise capitalista no Brasil. Há uma combinação de crise política, crise econômica, e insatisfação das massas.
A
greve de policiais militares no Espírito Santo, e que ameaça
contagiar as polícias do Rio de Janeiro, faz parte do aprofundamento
desta crise.
A
greve dos PMs no Espírito Santo iniciou contornando o espúrio
código militar, que proíbe greves e organização sindical, tendo à
testa familiares e amigos dos policiais, mas sobretudo suas esposas e
mães.
Em
primeiro lugar, é fundamental prestar solidariedade a esse movimento
paredista e incentivar o seu desenvolvimento. E, embora seja um tanto
óbvio, o óbvio às vezes precisa ser dito: a crise capitalista
demonstra que, em determinado ponto, a burguesia e seus governos se
tornam incapazes de manter o volumoso aparelho repressivo que ela
mesmo criou, ao longo da história, para se proteger dos
trabalhadores.
Em
segundo lugar, é preciso criar pontes para a unidade na luta entre
os PMs e os demais trabalhadores! Exigindo o compromisso na luta
unificada para a construção de uma Greve Geral nos estados, como
única maneira de derrotar os planos dos governos e derrubá-los e o
fim da repressão aos trabalhadores e ao povo negro e pobre. Nesse
sentido, a CSP-Conlutas declarou apoio ao movimento e convocou à
unidade com as demais categorias de servidores em luta1.
Em
terceiro lugar, a solidariedade aos policiais militares e seus
familiares deve vir combinada com a intensa agitação, e paciente
explicação, das consignas da desmilitarização das PMs e da
descriminalização das drogas.
No
entanto, isso está longe de ser um consenso entre a chamada
“esquerda”. E como tem ocorrido, especialmente depois de Junho de
2013, o aprofundamento da luta de classes no país, amplia as
diferenças entre as organizações e ativistas de esquerda. Não são
poucos os comentaristas da luta de classes que dizem que são
contrários à greve dos PMs utilizando, para isso, dos argumentos
mais arrogantes e auto-centrados: “só apóio greves de soldados;
da PM, não”, ou a mais indecente: “só apóio a greve dos PMs se
eles estiverem reivindicando a desmilitarização”.
Ou
seja, só apoiam os policiais se eles já estiverem brandindo a
consigna democrática da desmilitarização; e misturam no mesmo saco
a instituição Polícia Militar com os policiais militares. Isto,
além de ser profundamente anti-marxista, é de um oportunismo sem
fim. Para esses acomodados é preciso perguntar: por um acaso é mais
fácil agitar a consigna da desmilitarização da Polícia Militar em
tempo de calmaria para a burguesia nos quartéis? Ou é mais fácil
fazer isso quando os policias começam a romper a hierarquia e rasgar
o código militar entrando em greve?
O
argumento de não se solidarizar e não disputar a consciência dos
policias porque eles não têm como exigência máxima a
desmilitarização é um crime político! Marx na Crítica ao
programa de Gotha dizia
que “cada passo do movimento real é mais importante do que uma
dúzia de programas”. Todo marxista sério deveria
saber isso
Vejamos
o que diz uma das mulheres que lideram o movimento no Espírito
Santo, quando perguntada sobre o que achava da desmilitarização
das PMs2:
"Olha,
no momento, a gente nem tem o que falar sobre isso, porque não é o
objetivo da manifestação. Então, acho que isso não cabe a nós,
esposas, que somos leigas nesse assunto falar algo a respeito disso.
Então, eu acho que essa parte nós deixamos para as pessoas
competentes resolverem, né…”
Um
comentarista da luta de classes apressadamente diria que essa é a
demonstração cabal de que se trata de um movimento reacionário,
posto que renuncia à uma pauta democrática tão cara à classe
trabalhadora e aos setores oprimidos. No entanto, vejamos o que essa
mesma mulher diz, logo em seguida, quando perguntada sobre se achava
que havia uma relação entre o regime militar e as prisões e maus
tratos na corporação:
Sim.
Sim, porque o policial ele é punido em três esferas,
administrativa, militar e civilmente. A pessoa, o cidadão comum, se
ele responde a um processo, ele responde uma vez só, o PM responde
pelo mesmo crime três veze. São discussões muito complexas que
nesse momento não cabe a nós”.
Quando
perguntada sobre a repressão aos movimentos sociais, ela responde:
“o militarismo os impede de não acatar as ordens”. Isto é, vê
no regime militar um problema.
Mas, sigamos mais um pouco para que não reste dúvida da estupidez
dos sicofantas da burguesia.
Ao
ser perguntada sobre como viam e como vêem os movimentos sociais,
essa mesma mulher assim nos diz:
“Bem,
acho que a gente vê hoje os movimentos sociais como uma forma de
estar indo contras as políticas impostas pelo governo. Eu acho que
toda classe que for à porta do governo reivindicar tem sim o direito
de diálogo, de reivindicar sim. Acho que a partir desse movimento,
as pessoas vão se unir mais em prol das outras categorias. A gente
vê isso, que a população não quer mais se calar diante das
injustiças que o governo vem cometendo. Ele impõe coisas que não
deveria”.
Por
fim, ao ser perguntada se a visão sobre o governo havia mudado, ela
é categórica: “Com certeza!!! (em coro) Porque, nossa, ele
é ditador, ele fala que nós somos sequestradoras, mas ele que é um
psicopata”.
Ou
seja, embora ela diga que a desmilitarização da PM não
é o objetivo do movimento, ela revela o repúdio ao regime militar,
e o apoio às principais demandas que dão substância à
desmilitarização da PM: fim do código militar, liberdade de
organização sindical etc.
Qual
é a novidade desta aparente contradição?! Nenhuma. Afinal, no
capitalismo, a consciência e a ação não estão
conciliadas. Lutar apenas contra as “ilusões da consciência”
era a finalidade dos jovens hegelianos; não é a finalidade dos
marxistas revolucionários. Queremos pôr a classe em movimento e
disputar a sua consciência no movimento real da luta contra a
exploração e as opressões!
A
crise capitalista tem produzido uma profunda polarização social no
Brasil e essa polarização se expressa também no aparato repressivo
à medida que os governos rebaixam sua condição de vida e rompem
com o pagamento de seus parcos salários.
Por
isso, uma greve entre os policiais militares abala profundamente a
segurança da burguesia justamente no momento em que ela precisa
atacar mais a classe trabalhadora para preservar os seus lucros.
Consciente
disso, na cidade de Macaé-RJ, ao saber que as esposas e familiares
dos PMs se dirigiram ao batalhão da cidade para paralisarem as
atividades dos policiais, o Prefeito do PMDB decidiu, na manhã de
sexta-feira (10/02), pagar o 13º salário atrasado dos PMs para que
eles não aderissem à greve!
Macaé
é uma das cidades mais devastadas pela aliança do PT-PMDB, nos
últimos anos. Nesta cidade estão algumas das maiores empresas que
atuam no país, como a Petrobras, Odebrecht, UTC, Andrade Gutierrez,
Schlumberger, Baker Hugues e Halliburton. Uma cidade com um poderoso
operariado devastado pelos altos índices de desemprego e pela
precarização do trabalho. Uma greve dos PMs poderia ser o estopim
pra revoltas sociais com desfechos imprevisíveis.
PMERJ:
sob um ângulo de raça e classe
No
estado do Rio de Janeiro, a repressão aos trabalhadores e ao povo
negro sempre expressou uma verdadeira tragédia social e racial,
especialmente quando levamos em consideração que, historicamente, a
maior parte dos praças (soldados, cabos e sargentos) são negros e
oriundos, muitas vezes, das periferias e dos morros do estado.
Consequentemente, a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro é a
instituição que mais emprega negros no RJ!
A
contradição social e racial é permanente. Segundo Carlos Nobre, a
crise de “identidade militar negra” acomete também os oficiais
militares negros:
Em
outras palavras: o fato de ser oficial, ter curso superior e brilhar
carreira não invalida o policial de ser visto como um individuo
inferior em função do racismo (ainda marcante em nossa formação
social) e do estigma da profissão. Em
conversa informal, um oficial chegou a definir o policial como “o
lixeiro da história”, devido ao fato dele ser solicitado sempre
para fazer todos os trabalhos “sujos” da sociedade (2008,
p. 237, grifo nosso).
Numa
instituição de caráter militar, não-unificada, e que impede a
livre organização dos policiais em formas sindicais, as tensões
internas (a hierarquia, o racismo, o machismo, as humilhações, a
corrupção etc.) entram, permanentemente, em choque com as demandas
dos trabalhadores e do povo negro.
Há
também os momentos onde a cultura corporativa desponta como marco
fundamental entre eles e anula temporariamente a crise de
enfrentamento entre os grupos ideológicos dentro da PM, ou seja, é
quando todos estão em risco de vida, de trabalho ou de ameaças
pelos “de fora”. É
neste momento no qual a “identidade negra militar” se transforma
na “identidade única da PM”, de outro modo, é quando todos se
tornam “azuis”, uma referência a cor empregada no uniforme da
corporação. Às
vezes, os “ azuis” apontam que a mídia prejudica a imagem da
corporação e que os policiais são também vítimas da insegurança
pública. No entanto, as ONGs (Organizações Não Governamentais) e
demais grupos progressistas lhe negam os benefícios dos direitos
humanos, segundo seus argumentos para contrabalançar a pressão da
sociedade civil por uma polícia cidadã (NOBRE, 2008, p. 238, grifo
nosso).
Mas
a “identidade única da PM” é incapaz de resistir às inúmeras
pressões sociais e raciais, especialmente em momentos de crise
econômica. Soldados, cabos e sargentos, são majoritariamente
negros, possuem expectativas de vida menores que os oficiais, moram
em bairros precários e são aqueles que se defrontam de forma mais
aguda com as contradições postas pelo capitalismo: "homens
negros matando homens negros".
A
história é repleta de momentos em que a disciplina militar – com
suas cadeias ideológicas – se rompe e os agentes repressores se
dividem politicamente, atraídos pelo magnetismo das classes sociais
polarizadas.
Podemos estar vivendo um desses momentos. Por isso, mais do que nunca é preciso demonstrar solidariedade aos policiais, aproveitar a crise política para ganhar o que surja de melhor nessas lutas e criar as pontes necessárias para a construção de uma Greve Geral que derrube os pacotes dos governos estaduais e que derrube os governantes. Esse pode ser o caminho para a construção de uma Greve Geral no Brasil que ponha em xeque o Governo Temer (PMDB).
Frente
à violência impingida aos trabalhadores por setores que se
aproveitam da ausência de policiamento, é preciso auto-organização
dos trabalhadores em comitês ou associações de auto-defesa, com
vigílias e patrulhamento de seus bairros.
Por
fim, como o horizonte só pode ser o socialismo, é preciso dizer que
com o aprofundamento da polarização social soldados podem passar
para o lado dos revolucionários com armas em punho! A corrosão
dessas instituições repressoras soará como o princípio do ocaso
da burguesia (machista, racista e homofóbica) na sociedade
brasileira.
Todo
apoio à Greve dos PMs!
Desmilitarização,
já!
Descriminalização
das drogas, já!
GREVE
GERAL para derrubar esses governos e seus pacotes de maldade!
FORA
HARTUNG (PMDB)
FORA
PEZÃO (PMDB)
FORA
TEMER! FORA TODOS ELES!
POR
UM GOVERNO SOCIALISTA DOS TRABALHADORES!
Referências
NOBRE,
Carlos. O negro na
Polícia Militar: Cor,
Crime e Carreira no Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado. Rio de
Janeiro: Universidade Cândido Mendes, 2008.
1Ver:
cspconlutas.org.br/2017/02/policiais-militares-do-espirito-santo-exigem-reajuste-salarial-enquanto-familiares-protestam/.
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