Incêndio no Museu Nacional: outros virão?

Por Jóe José Dias

Foto: Reuters / Ricardo Moraes

Foi com enorme tristeza que recebi ontem, 02/09, a notícia de que o Museu Nacional ardia em chamas. Foi com dor sincera que vi o fogo lambendo as paredes do antigo Palácio Imperial. Um duro golpe para a história, cultura e para a ciência do país, por se tratar da primeira instituição científica nacional, fundada ainda por Dom João VI, em 1818. Lá estive quando estudante, no início dos anos 2000, após participarmos de um ato unificado contra a ALCA. E lá me surpreendi (estupefato!) pela incrível riqueza material e cultural que tínhamos.

O Museu Nacional, situado na Quinta da Boa Vista, parque da Zona Norte do Rio de Janeiro, possui 200 anos e é considerado a mais antiga instituição científica do país e um dos maiores museus de história natural e antropologia das Américas, sendo referência internacional em produção de ciência. Com uma área útil de mais de 13.600m2, distribuída em três pavimentos assim divididos: 63 salas no primeiro, 36 no segundo e 23 no terceiro, o lindo prédio histórico – que já fora residência inclusive da família real e que, portanto, faz parte integrante de nossa história –, abrigava obras de inestimável valor histórico e cultural da humanidade.

Fazia parte do acervo, por exemplo, tesouros como uma coleção de múmias egípcias (a primeira e maior da América Latina), múmias andinas, trazidas do altiplano peruano, o Bendengó, o maior meteorito já encontrado no país, transportado da Bahia até o Rio de Janeiro no século XVIII, e que pesa cerca de 5 toneladas, além do fóssil Luzia, com cerca de 12 mil anos (o mais antigo encontrado até hoje nas Américas) e o trono do Rei Daomé, um presente dado pelo monarca africano a Dom João VI.

Outras peças de inestimável valor político, histórico e cultural, como a carta que promulgou a Lei Áurea, o texto da independência do Brasil, vestimentas e artefatos indígenas utilizados em cerimônias religiosas, festivas e cotidianas, de povos que praticamente sumiram graças à expansão capitalista predatória e colonial no país, também faziam parte do acervo, além de objetos pessoais da família real portuguesa, como móveis originais vindos de Portugal, assim como uma coleção original de peças da época da chegada dos portugueses nessas terras, em 1500, dentre outros.

Em suma, o acervo do museu, formado durante esses dois séculos de história, por meio de permutas, compras, doações, escavações, achados, aquisições compreendiam áreas importantes do conhecimento humano, como história, antropologia, paleontologia, geologia, botânica, etnologia etc. e compreendiam mais de 20 milhões de itens, 17 dos quais encontravam-se no prédio, quase todos completamente destruídos pelas chamas.

No entanto, a atração principal do museu, aquela mais procurada pelo grande público, não podia mais ser visitada graças a problemas estruturais graves, como a sala onde se localizava o Maxilissaurus Topai, o primeiro fóssil de dinossauro de grande porte montado no Brasil, fechada há alguns meses graças a uma infestação de cupins, ou a sala onde ficava o esqueleto de uma baleia jubarte, fechada há 15 anos.

Não se sabe ainda o motivo técnico do incêndio. Sabemos somente que, felizmente, não teve vítimas. Contudo, não é necessário ser um perito para saber que tal fato, além de representar uma perda inestimável para a ciência brasileira, é um ataque à soberania nacional, pois, em uma nação semicolonial como a nossa, subordinada que é ao imperialismo, a perda de uma ilha de excelência de tal porte não pode representar outra coisa. Afinal, tratava-se de um dos maiores centros científicos do Brasil.

Não é de hoje que o museu apresentava diversos problemas como infiltrações, infestações de cupim e telhados quebrados. Em maio deste ano, o diretor do museu afirmou que seriam necessários mais de 300 milhões de reais para a restauração do Palácio e disse que não havia verba para as obras. Segundo reportagem da Folha de São Paulo, desde 2014, a instituição não vinha recebendo a verba de R$ 520 mil anuais que bancam sua manutenção.

Este descaso para com a ciência, a história e a cultura – que é de fato fruto de nosso atraso social – foi o grande responsável pela tragédia. É sim de responsabilidade direta dos governos a precarização deste belo monumento histórico, este patrimônio da humanidade. É culpa do congresso nacional e dos seus parlamentares que, juntamente ao presidente Temer, aprovaram a vergonhosa e escandalosa EC 95, que congela por 20 anos investimentos nas áreas sociais. Mas também é culpa dos governos anteriores (PRN, PSDB e PT) que privilegiaram a educação privada por meio de isenção de impostos em detrimento da pública, favorecendo os chamados tubarões do ensino no país e deixando à míngua as universidades federais.

Não à toa estávamos lá no Rio de Janeiro, nós, jovens de 20 e poucos anos, no início dos anos 2000, lutando para barrar a ALCA, um ataque direto promovido contra as Universidades, as instituições públicas e a soberania nacional. Se não tivéssemos conseguido derrotar esse projeto colonial espúrio que ela representava, todos esses ataques que hoje presenciamos já seriam uma realidade solidificada na sociedade brasileira.

O presidente Temer, que em nota disse ser «incalculável para o Brasil a perda do acervo do Museu Nacional» é contudo o atual porta-voz da burguesia brasileira e representa o que temos de mais nefasto e podre em nossa sociedade. Todo o seu projeto político – uma mera continuação dos governos neoliberais anteriores – vem transformando o país em uma colônia, repassando uma parte enorme do nosso orçamento, através do mecanismo da dívida pública, para os banqueiros. Sem contar com a isenção fiscal para que grandes empresários explorem os trabalhadores sem nenhum compromisso social.

«Hoje é um dia trágico para a museologia do nosso país. Foram perdidos duzentos anos de trabalho, pesquisa e conhecimento. O valor para nossa história não se pode mensurar pelos danos ao prédio que abrigou a família real durante o império. É um dia triste para todos os brasileiros», continuou o vampiro Temer. E o é mesmo, afinal o museu sempre foi uma excelente opção de lazer, educação e cultura para os filhos da classe trabalhadora, que enchem a Quinta da Boa Vista aos fins de semana. Com o incêndio, essas crianças e jovens, a quem os governos só oferecem as prisões e a opressão, perdem mais uma possibilidade de aprendizado, de tão poucas que elas já têm. Só que, graças aos ajustes fiscais para garantir o lucro da burguesia, hoje não existe mais um Museu Nacional para «chamar de nosso».

O museu é também parte integrante da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Portanto, também a reitoria da UFRJ tem responsabilidade no caso. 17 milhões de itens foram destruídos pelas chamas e as declarações dadas pelo Reitor da Universidade não fazem mais que injuriosamente culpar o Corpo de Bombeiros pelo ocorrido. É Lamentável. Nenhuma declaração contrária aos ataques desferidos contra a educação pública, contra a falta de verbas para pesquisa e extensão. Nada! Roberto Leher (PSOL), atual reitor, foi eleito com a imensa maioria dos votos dos estudantes e com o apoio dos movimentos sociais. A reitoria deve, portanto, organizar uma campanha efetiva para lutar pela educação pública. Paralisar as atividades acadêmicas e exigir a revogação imediata da EC 95, o aumento efetivo das verbas para a Universidade e a saída imediata do Temer da presidência. É o mínimo! Não se pode mais aceitar a situação do jeito que está e se limitar a fazer denúncias, aceitando contudo gerir o caos.

Em um momento eleitoral como esse que estamos passando, os políticos tradicionais irão soltar declarações lamentando o ocorrido e afirmando que coisas como estas não acontecerão se eleitos forem. Ou então ouviremos notas esdrúxulas como a do presidente, ou ainda a do representante da «família real» brasileira, que afirmou ser fruto da atual situação político-econômica do Brasil, como se a situação no Império fosse menos desastrosa e menos dependente. Um filho de um escravocrata, que sempre viveu dos privilégios oriundos da exploração de negros e índios, um reacionário, que propala aos quatro ventos que o Brasil na época do Império era mais desenvolvido e justo, não tem moral para lançar acusações públicas contra quem quer que o seja: é também ele representante dessa elite nojenta e reacionária que devemos combater. É também representante deste projeto econômico que nos assola.

Precisamos sim – e sem demora – inverter a lógica da forma de governar. Somente assim evitaremos novos incêndios e novas calamidades. É necessário um investimento massivo para a educação, cultura e lazer. As universidades públicas devem ter verba para garantirem excelência em ensino, pesquisa e extensão. Mas isso não será possível se continuarmos pagando a dívida aos banqueiros e dando isenções fiscais para os grandes empresários, deixando de investir esse dinheiro em saúde, educação e demais necessidades sociais.

Sabemos que não será através das eleições que teremos essas mudanças necessárias, para que se evitem novos lamentáveis episódios como esse. Apenas a classe trabalhadora organizada pode garantir que a prioridade do governo deixe de ser o enriquecimento de meia dúzia de banqueiros e empresários para que seja o atendimento às necessidades da população. Por isso, o PSTU faz um chamado à rebelião! Os de baixo precisam derrubar os de cima para que nossa história nunca mais corra o risco de virar cinzas e que garantamos o nosso futuro. Sigamos mobilizados rumo ao socialismo!

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