O materialismo revolucionário da Teoria da Relatividade de Einstein


Jóe José Dias

Para compreendermos a teoria


A teoria de Newton explicava todo o movimento em termos de forças. Havia-se uma força, esta atuava no objeto e este movia-se pela ação da força. Nessa teoria, cria Newton que, se o sol desaparecesse, a terra instantaneamente sairia à deriva pelo espaço. O que a teoria do espaço-tempo de Einstein fez foi substituir todo esse conceito de força por algo muito mais simples e muito mais geométrico. Forças deixaram de existir e, em seu lugar, surgiu aquilo que Einstein chamou de espaço-tempo, um contínuo unificado em que espaço e tempo tinham a mesma natureza e os objetos moviam-se no espaço-tempo através do caminho mais curto. Em outras palavras, o espaço-tempo é uma noção geométrica útil para descrevermos o que vemos em redor de nós. Nesta linguagem, uma onda gravitacional é algo que distorce este contínuo. Esta onda, contudo, é criada a partir da perturbação gravitacional de um corpo sobre o universo, do mesmo jeito que as ondas se propagam pela água depois de jogarmos uma pedra nela, por exemplo.

Einstein compreendeu que o universo é maleável, que é quadrimensional, não mais tridimensional, como se acreditara até então. Este tecido quadridimensional do espaço-tempo se parece com a superfície de um trampolim, que, submetido a uma pressão causada por um objeto pesado sobre ele, se deforma. É essa distorção ou curvatura do espaço-tempo que cria o que se sente como a gravidade. Einstein sugeriu que a presença de um corpo altera a relação entre espaço e tempo, provocando aceleração em tudo o que estiver em sua volta. Pensemos em uma esfera de ferro de 5 kg sobre uma cama elástica. A sua presença cria uma curva na superfície de modo que a inserção de qualquer outra esfera de menor massa (com peso inferior a 5 kg) rolará em direção a essa esfera maior. De forma semelhante, todo o corpo altera o espaço a sua volta.

Essa teoria alterou bastante a forma como se entende o universo. Primeiramente porque alterou sensivelmente nossa compreensão sobre o tempo, visto agora de forma relativa e variável. Para Newton o tempo passava de uma mesma maneira em todo o lugar; para Einstein, não: o tempo pode correr a diferentes marchas. Ele compreendeu que há uma ligação profunda entre o movimento no espaço e a passagem do tempo. Em outras palavras, quanto se mais tem um, menos se tem outro. Para se compreender melhor, vamos citar o exemplo dado pelo próprio físico: um corpo em movimento numa velocidade X indo na direção norte avançará mais rápido neste sentido que o mesmo corpo, sob as mesmas condições e na mesma velocidade, indo na direção noroeste, por exemplo. Isso porque, para este corpo, parte do movimento para o norte foi compartilhado para o oeste. Em suma, Einstein percebeu que tempo e espaço estão ligados da mesma forma que leste e oeste, por exemplo.

Assim, para Einstein o movimento pelo espaço afeta a passagem do tempo. No espaço, o tempo corre mais devagar para os corpos que estão em movimento. Não notamos esses fenômenos na terra simplesmente porque o impacto do movimento no tempo é tão pequeno que não sentimos, graças às baixas velocidades praticadas aqui em nosso planeta. Essa teoria foi testada e experimentada várias vezes utilizando-se de relógios atômicos e aviões a jato. E graças a descoberta dessa ligação entre espaço e tempo, Einstein percebeu que ambos não poderiam ser considerados como coisas separadas; espaço e tempo estão fundidos, naquilo que se denomina espaço-tempo.

Essa fusão do espaço e do tempo levaria o físico a uma conclusão surpreendente: a distinção entre passado, presente e futuro é apenas uma ilusão. Einstein dividiu o universo em fatias de tempo. Suponhamos que dois corpos estejam parados a uma distância de 1000 anos luz. Os ponteiros do relógio de cada corpo, em decorrência de estarem parados, andam na mesma velocidade. Então essa fatia (do agora) estaria reta. De repente, um dos corpos começa a se locomover lentamente em direção contrária ao outro: como há uma ligação direta entre tempo e espaço, essa fatia ou linha (do agora) estaria na diagonal, remetendo a um tempo passado para o outro corpo. Do mesmo jeito o inverso: se percorrer na mesma velocidade e no sentido do corpo parado, essa linha (ou fatia) estaria lhe remetendo ao futuro. Assim, tudo o que já aconteceu, ou irá acontecer, tudo existe.

Dessa forma, é possível, segundo as leis da física, viajar no tempo: por meio da gravidade. Para Einstein e sua teoria da relatividade, a gravidade, assim como o movimento, pode afetar o tempo. É como se ela segurasse o tempo, atrasando sua passagem. Assim, quanto maior a força gravitacional, mais lento se torna o tempo. Em nosso planeta, o efeito é muito pequeno para ser percebido, mas é igualmente real. Uma pessoa que reside no andar mais alto do maior arranha céus existente, sente o tempo passar um pouco mais rapidamente que outra residindo no térreo do mesmo prédio, já que a gravidade embaixo é um pouquinho mais forte rente ao solo. Porém, próximo a um buraco negro, o efeito da gravidade é imenso.

Um buraco negro é formado a partir da explosão de uma supernova (uma mega estrela) e sua gravidade chega a bilhões de vezes superior à da terra. Se conseguíssemos nos aproximar de um para ver alguém viajando próximo a ele, veríamos o tempo ficando muito devagar. Próximo a um buraco negro, veríamos esta pessoa viajando muito lentamente, falando devagar, envelhecendo biologicamente muito devagar, mesmo que para ela a sensação fosse a mesma. Em suma, enquanto para o viajante a sensação seria de que o tempo estivesse correndo normalmente, para nós é como se ele estivesse praticamente parado. Segundo Stephen Hawking, por exemplo, a depender do tamanho e da massa do buraco negro, se conseguíssemos ficar em sua órbita por 1 ou 2 horas, 50 anos já teriam se passado no planeta terra.

Todavia, viajar no tempo para o futuro parece relativamente simples se formos conjeturar na possibilidade de viajar para o passado. Como isso seria possível? Aplicando algo previsto nas equações de Einstein, chamado por ele de «buraco de minhoca», que são nada mais que atalhos no espaço-tempo, provocados pela sua dobra. Assim, se tivéssemos como controlá-los, seria possível voltarmos no tempo, sem contudo, conseguir alterar o «passado». Esse fenômeno o socialista Einstein chamou de dobra do espaço-tempo, ou simplesmente dobra espacial. Mas isso no espaço, porque em nosso planeta a «flecha do tempo» caminha em uma única direção, e parece, ainda hoje para nós, irreversível. Então, parafraseando o belo filme de Adriana Dutra e Walter Carvalho, nos resta então a pergunta: quanto tempo tem o tempo?



O conteúdo materialista revolucionário da teoria de Einstein

A despeito de todo tipo de idealismo místico que fazem hoje com a Teoria da Relatividade, não é difícil de notar seu materialismo. Isso porque o relativismo fundamenta-se em dois postulados surpreendentemente simples e de caráter flagrantemente materialistas e passíveis de comprovação prática. Ei-los:

  1. Todas as leis da física assumem a mesma forma em todos os referenciais inerciais;
  2. Em qualquer referencial inercial, a velocidade da luz no vácuo é sempre a mesma.

Partindo destas premissas é que Einstein vai desenhar suas elegantes teorias. Elas nos permitiram, aliás, desvendar os mistérios da equivalência massa-energia, superar os belos - porém já insuficientes - postulados teóricos de Newton e descartar a incômoda hipótese do éter lumífero, por exemplo. Como afirmou Carl Sagan, discípulo de Einstein e monumental físico materialista-dialético do século XX, em sua conhecida obra O Cérebro de Broca (p. 25): «Antes de Einstein defendia-se que existiam sistemas de referência privilegiados e coisas tais como o espaço absoluto e o tempo absoluto. O ponto de partida de Einstein foi que, qualquer que fossem os sistemas de referência, todos os observadores (fosse qual fosse a sua localização, velocidade ou aceleração) veriam as leis fundamentais da natureza da mesma forma».

O inquestionável mérito de Einstein foi o de perceber como nossos preconceitos antropocêntricos, refletidos em nossa ânsia para conferir aos seres humanos um ponto de vista privilegiado para perceber o universo, havia nos tornado, até então, cegos para o fato de que uma abordagem materialista consequente exigia que considerássemos que, sob qualquer ponto de vista, as leis da física deveriam permanecer as mesmas, ainda que isso contrariasse nossas concepções mais arraigadas sobre o tempo e o espaço.

Em outras palavras, Einstein aplicou aquilo em que a dialética mais preza: a negação da realidade. Ou seja, a ideia de que não devemos partir de pressupostos já consolidados, ou mesmo de ideologias, para interpretarmos a realidade. Pelo contrário! A Relatividade einsteiniana nos ensina, dentre muitas outras coisas, que precisamos estar dispostos a superar nossos paradigmas sempre que a realidade concreta demonstrar-se mais rica e complexa do que tínhamos sido capazes de imaginar. Precisamos negar a realidade para transformá-la, criando novas categorias e superando as antigas, já caducas.

Sob este aspecto, a revolução promovida por Einstein (já promovidas em outras áreas por intelectuais como Darwin e Marx, dentre outros) pode ser compreendida como parte de um mosaico mais complexo: o de revoluções científicas anteriores que, pouco a pouco, ao menos no campo superestrural, fizeram com que rompêssemos com postulados místicos que visavam a ocultar nossa insignificância e nossa fragilidade, atribuindo-nos privilégios que não possuímos.

As preocupações de Einstein em relação à permanente necessidade de rigor epistemológico e sua defesa consciente do caráter materialista da abordagem científica demonstram-se extremamente pertinentes, sobretudo quando observamos a penetração de pressões idealistas, místicas e obscurantistas no cenário contemporâneo da física, resultando em absurdos como o misticismo quântico*, propagandeado por ideólogos com credenciais científicas como Frijof Capra e Amit Goswami.

Porém, para que sejamos de fato livres de todo um complexo sistema ideológico (idealista e místico, que lança luz à imagem de Deus pai criador do Universo), devemos nos libertar das amarras autoimpostas que prejudicam nossa compreensão da natureza e de nós mesmos. Devemos superar o capitalismo, que alimenta todo esse conjunto ideológico para impor com mais facilidade sua exploração sobre os trabalhadores, reais proprietários da produção. Somente assim compreenderemos nossas limitações e potencialidades para que possamos de fato intervir de maneira justa, correta e isonômica na natureza, transformando-a e recriando-a com parcimônia e inteligência, assim como a nós mesmos. Eis a lição reafirmada por cada uma das revoluções que fizeram avançar nossa compreensão. Afinal, como bem explicou Trotsky: «O ascenso histórico da humanidade, tomado como um todo, pode ser resumido como uma sucessão de vitórias da consciência sobre as forças cegas – na natureza, na sociedade, no próprio homem».

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* No início da década de 20, em pleno auge da Teoria da Relatividade, o físico dinamarquês Niels Bohr propôs uma nova teoria na física, na qual a investigação da natureza deveria se dar em escala atômica. Esse novo postulado teórico previa a necessidade de duas abordagens distintas e indissolúveis necessárias para a compreensão da realidade em diferentes escalas, impondo, contudo, limites para cada uma delas: a relatividade einsteiniana para a análise dos fenômenos em escala superior à atômica e a mecânica quântica para escalas subatômicas.

Acontece que o debate levantado por essa nova revolução na física foi distorcido por terceiros ao nível pessoal, passando a ser tratado como uma disputa rasa de egos entre estes dois grandes teóricos do século XX. Na verdade, as diferenças entre os dois era muito menor (enquanto para Bohr a física quântica já seria o suficiente para descrever os fenômenos físicos, para Einstein, não bastava; era necessária uma abordagem filosófica de caráter indubitavelmente materialista), tanto que Einstein foi considerado, pelo próprio Bohr, como o pai da física quântica, levando-o a escrever,  em 1949, um artigo intitulado «O Debate com Einstein sobre problemas epistemológicos na Física Atômica», dedicando-o ao físico alemão.


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Texto escrito para publicação conjunta ao Blog Práxis.

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