Governo Moisés, pandemia e burguesia catarinense


Por: PSTU Santa Catarina

O governo de Carlos Moisés (PSL) enfrenta uma grave crise política. O estopim dessa crise é o escândalo de corrupção envolvendo a fraudulenta compra de respiradores, que está sendo chamada de compra de respiradores fantasmas. Esse escândalo já saiu das páginas políticas e entrou para as páginas policiais com a prisão do ex-secretário da casa civil (que chegou a ser chamado de o Primeiro Ministro do governo Moisés), e com a possibilidade de o também ex-secretário de saúde ter sua prisão decretada nos próximos dias.

Dizemos que esse é o estopim porque aqui os escândalos de corrupção, por maiores que sejam, só têm tido desdobramentos mais contundentes ou quando os “de baixo” saem em mobilizações, ou então quando os “de cima” estão em crise brigando entre si. Em Santa Catariana a grande imprensa burguesa sempre se comporta como “imprensa oficial”. Não por acaso, esse escândalo veio à público através do Intercept e não da imprensa local. A NSC, mesmo depois da denúncia, tentou abafar o caso e quando isso se tornou impossível deu um gigantesco espaço para que os secretários envolvidos diretamente no escândalo pudessem se justificar. No entanto, a crise entre o governo e a Assembleia Legislativa já vinha em andamento e esta rapidamente vota por unanimidade na criação de uma CPI para o caso.

Não queremos, de forma alguma, subestimar o potencial de crise que essa roubalheira descarada passou a ter, mas sim deixar claro que se não houvesse uma crise já instalada esse teria tudo para ser apenas mais um escândalo que logo seria varrido para debaixo do tapete como tantos outros já ocorridos nos sucessivos governos estaduais. A própria “Lava jato” que atingia em cheio o governo Colombo (PSD), aqui acabou totalmente “em pizza”.

E para piorar ainda mais a situação de Moisés há a briga de Bolsonaro contra a quarentena e os governadores que defendem sua aplicação, ainda que insuficiente. Muito embora SC ainda não tenha tido o mesmo desdobramento de outros estados, onde a mando diretamente de Bolsonaro a policia federal entrou com tudo na apuração das falcatruas (todas muito parecidas com a daqui) dos governos estaduais. Essa situação já fez a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro votar, por unanimidade, a abertura de processo de impeachment contra o governador do estado. Isso indiretamente também trás mais crise para cá além da ameaça de que a qualquer hora a PF possa entrar ruidosamente no caso.

Para entendermos um pouco melhor essa crise temos que nos alongar um pouco e voltar aos primórdios desse governo. Moisés, eleito na esteira da onda bolsonarista, era um total desconhecido da vida política. E sua enorme votação expressou o tamanho do rechaço que havia sobre as formas tradicionais da política no estado. Não por acaso, ele derrota uma velha raposa da política, Gelson Merísio (PSD), que tinha como seu grande trunfo o fato de ter sido por muito tempo o presidente da ALESC, isto é, o representante máximo do status quo no estado.

Esse caráter anti-regime muitas vezes é deixado de lado para enfatizar só o aspecto anti PT, mas sem isso não entenderemos o voto massivo dado a Moisés, inclusive em cidades com mais tradição de votar mais “à esquerda” como Criciúma, onde Moisés foi ainda mais votado do que em Blumenau ou Joinville.

Quanto ao PT no estado, como já a muitos anos atrás viemos afirmando, é um partido totalmente decadente, já tendo perdido todas as prefeituras de cidades importantes. O PT aqui já não conseguia mais vitórias eleitorais no estado mesmo quando ainda tinha um forte prestígio no governo federal. Quando, a partir de 2013, o governo petista de Dilma Rousseff se desmascara frente ao conjunto da classe trabalhadora e da juventude, a situação do PT no estado foi puxada ainda mais pra baixo.

Nesse quadro em que tudo levava a crer que as velhas raposas de sempre teriam uma vitória tranquila, surge em cena no último momento Carlos Moisés. Oriundo da cúpula do aparato militar estadual, Moisés era coronel reformado do Corpo de Bombeiros Militar de Santa Catarina, totalmente desconhecido no cenário politico, filiado ao mesmo partido de Bolsonaro e com o mesmo discurso deste. Com isso ele arrebata os corações e mentes do empresariado catarinense que já havia encampado com muita força a candidatura de Bolsonaro por sua prometida guerra social contra os direitos dos trabalhadores e os serviços públicos. É por isso que também Raimundo Colombo (PSD) acaba mudando e dando a ele o apoio no segundo turno.

No entanto, Moisés não tem sequer a experiência política de Bolsonaro, que embora do “baixo clero” do Congresso, está há 30 anos na políotica com ligações mais sólidas com setores da burguesia. Sua inexperiência e a enorme fraqueza do PSL no estado vão aparecer muito rapidamente e acabarão sendo um fator de geração de crises.

Há ainda outro aspecto que devemos levar em conta: suas ligações com o grande empresariado catarinense não eram muito sólidas como costumam ser as dos políticos tradicionais que muitas vezes chegam a eles mesmos serem grandes empresários como o prefeito de Joinville. Outros são oriundos de algum tipo representação, como associações empresariais, sindicatos patronais,ou representações diplomáticas. Mas mesmo quando não o são tem ligações orgânicas e financeiras com os grandes grupos empresariais do estado e com mandatos anteriores que já consolidaram essas ligações.

Já o comandante Moisés é apenas um quadro do aparelho policial/bombeiros militar. Com isso, não queremos dizer que seu governo não seja totalmente a serviço da burguesia, mas apenas que esse não é um quadro experiente da burguesia e por isso às vezes comete erros que têm desagradado ao empresariado e que faz com que ele, para corrigi-los, tenha que fazer vergonhosos recuos como os de agora na quarentena.

Já na formação de seu governo ele abandona o discurso contra a “velha política” e enche seu governo de gente do velho MDB, inclusive com secretários importantíssimos que já eram secretários no governo anterior. Afinal, sua ascensão foi muito rápida e imprevisível não tendo sido consolidado em torno dele um forte núcleo que pudesse ser a base para compor seu governo. Também não teve aqui no estado o recurso de incorporar alguma importante e expressiva figura da burguesia, tipo Sérgio Moro ou Paulo Guedes que pudessem colocar no seu governo.

Não que não haja gente no alto escalão do seu governo. Mas pela fraqueza e improviso total desse partido no estado são quadros de pouco peso e tradição na política estadual, como o agora tristemente famoso Douglas Borba, que era vereador em Biguaçu e assumiu a toda poderosa casa civil do governo. Os setores mais tresloucados do PSL queriam ainda mais cargos e ao não se verem satisfeitos protagonizaram a primeira crise, em especial dentro do seu partido.

Seu governo tem início com o estado em uma situação fiscal um pouco melhor do que da maioria dos estados brasileiros e inclusive dos vizinhos, isso porque o governo anterior havia conseguido impor importantes derrotas ao funcionalismo. Mas, mesmo assim, o estado estava perante um quadro de forte endividamento com grandes dívidas de vencimento a curtíssimo prazo. A saída dele para isso é a neoliberal clássica, ou seja, arrochar ainda mais o funcionalismo e sucatear o serviço público privatizando tudo que fosse possível.

Mas, a situação é tão drástica, que ele tenta também aumentar a arrecadação e acena para a possibilidade de cortes de alguns dos subsídios mais escandalosos de algumas indústrias catarinenses. A reação da burguesia é imediata e radical. O exemplo da Intelbras (a maior indústria da grande Florianópolis), foi típico: ameaçou imediatamente fechar suas fábricas daqui e demitir todos os trabalhadores transferindo a produção para outro estado. Isso foi mais do que o suficiente para ele recuar totalmente.

Em nível político, ele tenta se diferenciar das posturas mais “brucutus” de Bolsonaro vindo a público criticar algumas posturas mais escabrosas do presidente. Faz alguns acenos para a oposição parlamentar e chega a receber o MST em audiência. Isso é o suficiente para que os dois deputados do seu partido mais identificados com o Bolsonaro e a sua vice-governadora, passem a considerá-lo um traidor e atacá-lo incessantemente.

O que não muda é o seu discurso e a prática de criminalização da pobreza e repressão nas periferias, comunidades e morros. Ele não só vai ampliar as criminosas incursões punitivas da PM às comunidades pobres, como também passa a atacar militarmente a juventude que frequentava os bares no centro de Florianópolis causando ali verdadeiras guerras campais na madrugada. O seu homem forte nesse período é o Coronel da PM, Araújo Gomes, que não por acaso acabou sendo recrutado para trabalhar em Brasília servindo ao governo Bolsonaro como Secretário Nacional de Segurança Pública.

Administrativamente, uma das principais marcas de seu governo foi o ataque sistemático à Saúde Pública, não que tenha deixado de atacar outros setores do serviço público, mas a saúde foi a preferencial. E hoje dá pra se perceber com clareza que estes ataques, que se dão principalmente em forma de privatizações e terceirizações, não são apenas “ideológicos”, pois as privatizações como sabemos sempre são para satisfazer interesses particulares dos “amigos do poder”, e os dois escândalos de corrupção que apareceram agora são exatamente nesse setor (Hospital de campo de Itajaí e respiradores).

Com a decretação do estado de emergência, as possibilidades de corrupção nesse setor se ampliam em muito pela dispensa de qualquer forma de licitação que possa dificultar as transações mais escabrosas. Mas há também outros possíveis motivos para que Moisés saia na frente entre os governadores e decrete uma quarentena mais forte, ainda que não tenha parado setores importantes. O que queremos destacar é que ele viu aí a possibilidade de se fortalecer enormemente frente à opinião pública.

É bastante comum que políticos burgueses se utilizem de desgraças para, demagogicamente, se fortalecerem, aparecendo como pessoas preocupadas com o bem estar da população. O caso mais célebre desse tipo de coisa em nosso estado foi o de Esperidião Amin, quando era governador, nos anos 1980. Durante as duas trágicas enchentes no Vale do Itajaí, Amin deu várias declarações altamente demagógicas e capitalizou para si grande apoio popular.

No caso dessa pandemia, no mundo afora os governantes que tomaram medidas mais duras para o isolamento social tiveram no geral sua popularidade bastante aumentada. E realmente Moisés angariou forte apoio popular. Numa pesquisa feita pelo instituto Mapa para o grupo ND, em 02 de abril, os índices de aprovação de suas medidas iam a 71,3% contra apenas 9,5% de reprovação. O problema é que sua inexperiência fez com que ele se esquecesse de ver se tinha “as bençãos” da burguesia catarinense para essas medidas. E apesar de ele ter deixado de fora todo tipo de indústrias e o telemarketing ela, como sabemos, reagiu muito duramente. Logo se refaz da surpresa inicial, se organiza e vem com tudo pra cima do governo o deixando em situação difícil (vide manifesto das 50 entidades empresariais, etc.).

E o empresariado teve todo apoio não só, do genocida do palácio do planalto, como da ALESC, que além de ser composta em sua grande maioria por testas de ferro desse empresariado, ainda não andava em boas relações com o governo Moisés por sua postura de governar sem fazer grandes negociatas com os deputados (a suposta “nova política”). Ele também não conta com uma bancada de deputados que lhe fossem fiéis (os bolsonaristas, antes de seu partido, foram os primeiros a protocolarem o pedido do seu impeachment). É em meio a essa situação que aparece o escândalo dos respiradores fantasmas e a ALESC imediatamente vota, por unanimidade, a abertura da CPI para o escândalo dos respiradores.

A partir daí a atitude de Moisés diante da burguesia passou a ser de completo e humilhante recuo. Recuou vergonhosamente, sobretudo, na quarentena, que hoje é apenas uma caricatura disso. E para tentar melhorar a relação com a ALESC colocou como tarefa principal do novo secretário da casa civil as negociatas com os parlamentares, e ele próprio marcou um almoço com Júlio Garcia (PSD) o presidente da Assembleia Legislativa que é um dos homens mais identificados com a “velha política no estado”. Esse movimento se assemelha ao de Bolsonaro com o chamado centrão e tem o mesmo objetivo: tentar impedir a votação do impeachment.

Em relação ao empresariado, além dele estar correndo o estado para se reunir e ouvir suas exigências, Moisés já se comprometeu a nomear para a poderosa Secretaria do desenvolvimento Econômico quem eles indicarem. Assim vai se afirmando a verdadeira cara do governo Moisés: totalmente alinhado ao empresariado com sua política genocida para a pandemia e amplamente aberto às negociatas com os deputados. No dizer do presidente da ALESC, é um governo que “não deu certo, mas nunca é tarde para recomeçar”1

Provavelmente, vão tentar manter as investigações da CPI apenas ao redor dos secretários e funcionários diretamente envolvidos na compra dos respiradores e, novamente, recorrem à narrativa de que o grande responsável por tudo – o chefe que colocou lá esses que eram seus homens de confiança – nada sabia. Por isso é possível que os pedidos de impeachment sequer sejam votados uma vez que isso depende do Presidente da Alesc. Outra coisa será se a dinâmica que a crise assumiu vai permitir que essa costura se realize sem gerar novas crises.

Aos trabalhadores e à juventude pobre essa discussão sobre o impeachment feito pela Alesc não trás nenhum proveito, pois o governo que sairia daí em nada melhoraria a situação para nós. As duas alternativas são igualmente ruins, seja assumindo o governo a atual vice governadora, uma bolsonariasta radical, ou o próprio Júlio Garcia por ser presidente da Alesc. A nós o que interessa é uma apuração a fundo do caso e que todos os responsáveis por esse absurdo crime não só percam seus cargos mas também que sejam presos e tenham os seus bens confiscados para ressarcir o dinheiro público. A única saída aceitável é uma eleição geral para a escolha não só de um novo governador e vice como também para a assembleia legislativa.

Assim, neste momento em que cresce em todo o Brasil o clamor pelo FORA BOLSONARO E MOURÃO, aqui em Santa Catarina também devemos dizer um basta a esse governo estadual atolado em corrupção, que foi eleito em cima de enganação de que seria diferente e hoje mostra com toda clareza que tem a mesma velha política corrupta à serviço de manter a dominação dos poderosos de sempre, e que veio ainda para aumentar a perseguição aos moradores das comunidades pobres, em especial a juventude e a população negra.


Junto com isso temos que avançar na luta para acabar de vez com esses governos atolados na lama da corrupção. É necessário que os próprios trabalhadores organizados em conselhos populares governem o estado e o país, para acabar com esse regime de exploração e miséria dos trabalhamos para o acúmulo de riqueza de meia dúzia de empresários, banqueiros e especuladores nacionais e internacionais.

É necessário uma revolução que acabe com esse regime capitalista podre que não garante sequer a saúde e vida dos trabalhadores e trabalhadoras desse rico estado e país. Precisamos de uma sociedade justa que garanta que as riquezas que a classe trabalhadora cria com seu trabalho sejam para o bem estar de todos, uma sociedade socialista.


- Contra a flexibilização da quarentena!

- Por uma quarentena geral por um mês para deter o aumento dos caso de COVID-19 acompanhada de medidas econômicas que permita à população permanecer em sua casas!

- Basta do Governo Moisés, Eleições gerais!

- Fora Bolsonaro e Mourão


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