A semana da consciência negra em Joinville - porque não tivemos feriado no dia 20?

Sebastião Amaral é servidor público da Prefeitura de Joinville, militante do PSTU Joinville e nosso correspondente. Caso queira entrar em contato, escreva para canaldireto@gmail.com

No ultimo dia 20 de novembro fui fazer uma panfletagem referente ao dia da consciência negra, na frente da maior universidade da região de Joinville(UNIVILLE). Segundo o último censo, a cidade tem quase 20% de negros. Porém na entrada da universidade, só se via brancos. Se haviam negros, era muito menos de 20%.

Não foi de surpreender que o panfleto foi menos aceito que o normal, pela experiência que tenho das outras panfletagens lá. Algumas caras de desdém, como se as pessoas nada tivessem a ver com aquilo, me marcaram.

Joinville, uma cidade onde a burguesia faz questão de fortalecer uma imagem européia, alemã, a cidade do trabalho. É a cidade mais negra de um estado branco, segundo o Censo. Só que não vemos os negros no dia a dia, e muito menos na entrada da Univille, não naquele dia.

Uma cidade cujo prefeito está envolvido em várias denúncias de racismo. Um prefeito que esse ano sancionou o feriado do dia da consciência negra, que logo foi vetado pela justiça, um tema que dividiu a cidade.

 A formação histórica da nossa cidade e a grande maioria da população sendo branca acentua o racismo presente aqui. Muitas vezes, enquanto acontecia o debate sobre se era certo ou não o feriado, ouvi frases como ‘precisamos de um feriado da consciência humana’, ‘quero um feriado do dia dos brancos’ ou até que ‘este feriado é como as cotas raciais, um privilégio para os negros’.


O que falar sobre o “Feriado” da consciência negra em Joinville?

Primeiro, a data: trata-se de uma referência ao dia da morte de Zumbi dos Palmares, um dos maiores líderes da luta e resistência do povo negro contra a escravidão. Mas porque um feriado? Os feriados são datas que a sociedade considera históricos e importantes de lembranças e reflexão. Pergunte para algum cristão se ele aceita o fim do feriado no Natal! Queremos essa data como feriado,não só em Joinville,em todo o Brasil,  pois ela seria a incorporação de nossa história, um reconhecimento de que nossa história é feita em grande parte pelo suor e trabalho escravo (índio e principalmente negro) e não simplesmente por ‘descobridores’ brancos europeus. Sabemos que precisamos de muito mais do que isso para combater o racismo, mas é um passo.

Segundo, a sua ‘viabilidade’: as desculpas técnicas usadas pela justiça para proibir a criação do feriado são apenas desculpas. Existe por um lado um interesse da classe burguesa, proprietária das empresas e do comércio em evitar ao máximo pagar qualquer coisa a mais a todos os trabalhadores (brancos ou negros) e ter mais um feriado remunerado é algo que foge completamente aos seus interesses. Por outro lado, a falta de vontade política de assumir a necessidade de discussão da questão racial nos locais de trabalho, estudo e moradia ao longo da cidade, também reflete uma prática sistemática de promover a invisibilidade negra, a quem é negado o acesso os mais diversos espaços, sendo um deles, a Universidade em que estive na semana passada.

A posição da Burguesia local ficou evidente na posição do CDL local e da ACIJ que exigiam do prefeito o veto ao feriado. E entraram na com a ação na justiça que gerou a proibição do feriado.

Ao conceder o feriado, Udo, o prefeito, sabia que o mesmo não ia acontecer. A certeza prévia que o mesmo seria barrado pela justiça, o permitiu fazer uma ação de demagogia para melhorar sua imagem com relação às denúncias de racismo.

 O Dia da Consciência Negra não deixará de ser celebrado por nós, com ou sem feriado. Porque sabemos a importância desta discussão, e sabemos que o capitalismo se beneficia enormemente do racismo para dividir e explorar ainda mais a nossa classe de conjunto. Nós sabemos que o racismo só beneficia às classes dominantes, e sabemos que não interessa aos patrões de Joinville (incluindo o nosso prefeito, patrão de centenas de operários fabris) mais um dia de descanso remunerado para os trabalhadores. Ainda mais se esse dia for para reconhecer a importância histórica de todos os negros que ajudaram a erguer o nosso pais, pois isso significaria abrir mão do mito de que não existem negros aqui, e de que nossa cidade só é tão produtiva devido à influência germânica – artifício cultural que leva com que nós aceitemos com mais passividade a exploração e sobrecarga de trabalho a que somos submetidos, dia a dia.
Não deixaremos de ir às portas das Universidades, das fábricas e todos os espaços possíveis discutir que não há capitalismo sem racismo. Não nos deixamos convencer pelos argumentos técnicos para o não-reconhecimento do feriado em Joinville, nem deixamos de denunciar os casos de racismo protagonizados seja pelo nosso Prefeito ou por quem for. Fazemos isso por respeito e reconhecimento à luta de todos os negros deste país, desde sempre oprimidos e explorados. E o fazemos porque sabemos que só assim libertaremos toda a nossa classe da miséria, da exploração e da opressão.
Senhores dirigentes, patrões, políticos e demais interessados em abafar a discussão racial de nossa cidade: acostumem-se com o incômodo. Nós não vamos permitir que os negros continuem a ser escondidos do lado de fora dos empregos, das vagas nas escolas, nas universidades, nos meios de transporte e do centro da cidade. Joinville ainda tem muito o que avançar sobre este assunto, e nós não vamos deixá-lo para depois!

Comentários

  1. Excelente Texto!Fico muito feliz em saber que existem pessoas nesta cidade que não vão ficar caladas em relação à esse racismo tão óbvio. Sou carioca e negro, morei anos em Joinville, passei por muitas situações constrangedoras. É tão forte o racismo neste lugar que chega a ser algo "natural" para grande parte da população local. Não se vê negros em lojas, shoppings, faculdades, entre uma série de lugares. Lembro que a primeira vez que sai as compras nesta cidade pensei: "onde os negros trabalham aqui, se nem nas lojas de departamento ainda não vi nenhum?" Eu infelizmente senti na pele o racismo.Entre muitas situações, uma delas foi em um restaurante, onde o garçom (loiro de olhos azuis) se negou a me atender, cruzando os braços e pedindo para outro me atender, porque a mim ele não serviria. Eu vi quando ele disse isso a outro funcionário, então outro garçom (moreno, com perfil mais latino), prestou-me o atendimento. Parece absurdo mais isso acontece diariamente nesta cidade e isso chegou ao ponto de ser "normal".
    Triste,mas de fato, realidade.

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