Sobre a morte de Fidel Castro
Por:
Wagner Miquéias F. Damasceno (PSTU Florianópolis-SC)
A
morte de Fidel Castro, anunciada por seu irmão Raúl Castro, na
manhã de 26 de novembro deste ano, deu vazão a uma onda de
celebração, na maior parte da Esquerda, sobre a figura do líder
cubano e sobre o caráter de Cuba.
Morre
um homem que entrou para a História, e isto é um fato.
Além
disso, nunca é demais dizer que nós, trotskystas e morenistas,
consideramos a Revolução Cubana uma importante vitória dos
explorados sobre o Imperialismo europeu e, sobretudo, estadunidense.
Nós
defendemos todas as conquistas sociais advindas da Revolução e da
superioridade de uma base econômica operária organizada por planos.
E
é exatamente por isso que criticamos o papel contra-revolucionário
exercido pelo castrismo em Cuba. Ademais, como bem disse Julio
Anselmo, nossas críticas a Fidel não residem em um “democratismo
infantil ou por uma defesa abstrata da vida. Não, não. A revolução
é violenta. E para enfrentar a contrarrevolução, os
revolucionários estão autorizados a utilizar todos os meios
possíveis e impossíveis, guardados os princípios e a moral
revolucionária”.
Algumas
imprensas burguesas chegaram a asseverar que morrera o “último
revolucionário”1;
uma cantilena extemporânea, mas repetida por muitos comentaristas da
luta de classes.
Muitos
reformistas2
e stalinistas3
(nas mais diversas variantes) aproveitam a confusão na consciência
herdada pelas sucessivas traições do próprio stalinismo e do
próprio reformismo, para dizer que Fidel Castro morreu como um
revolucionário e que isto deve se impor sobre toda as
críticas.
Porém,
isto não é verdade. Fidel Castro não morreu revolucionário,
mas sim como um conservador. Portanto, como um contrarrevolucionário.
Fidel
Castro foi um importante revolucionário em 1959 quando dirigiu o
Movimento 26 de Julho e seguiu – ainda que política e
metodologicamente equivocado – por mais alguns anos nesta condição.
No entanto, Castro e seu grupo não construíram o socialismo em
Cuba, mas sim uma ditadura burocrática que repousava sob bases
operárias (estatização das empresas, coletivização das terras,
controle do mercado externo etc). Não havia liberdade para os
operários, camponeses, negros, mulheres e LGBTs em Cuba.
Fidel
Castro não era operário, e o Movimento 26 de Julho era uma
organização guerrilheira de composição social pequeno burguesa
que brandia um programa de caráter nacionalista burguês.
Evidentemente, isso não os impediu de fazerem uma revolução num
pequeno país da América Latina, mas contribuiu decisivamente para
que não avançassem na construção de um Estado Operário sob um
regime de democracia operária. O alinhamento político cubano ao
estalinismo da URSS teve como consequências, do ponto de vista
ideológico, a adesão à tese contrarrevolucionária de que era
possível construir o “socialismo em um só país” e, do ponto de
vista político, a dedicação para frear os processos
revolucionários internos e no mundo. O caso mais destacado deste
papel foi a revolução nicaraguense, onde Fidel Castro chegara a
dizer aos sandinistas que não fizessem da Nicarágua uma nova Cuba.
Por
entender que só a verdade interessa à classe trabalhadora, nós
trotskistas não “douramos pílulas”: o castrismo jamais avançou
na construção de um regime de democracia operária na Ilha. E as
principais conquistas sociais de Cuba repousaram na superioridade de
um modelo de planificação econômica, resultado da mobilização
popular e da situação social de um país agrário e um dos mais
pobres da América Latina4,
e não obra de uma liderança burocrática.
Por
décadas, nossa corrente dizia que estas conquistas seriam perdidas
caso não houvesse uma revolução política em Cuba. E, por mais que
algumas correntes neguem este fenômeno, a realidade é implacável5.
Lógica
formal: o método do oportunismo
Com
razão, Nahuel Moreno afirmava que “para um marxista consequente, o
saber nessa época não é uma soma de partes, isto é, de
diferentes ciências, mas uma combinação em que se deve predominar
o aspecto militante, político revolucionário” (2007, p. 22).
Neste tópico, Moreno aludia
às polêmicas abertas no
seio do Socialist Workers
Party (SWP),
nos Estados Unidos, que
tinham
como centro a política que seria levada a cabo, como
resultado (evidente ou não) da
caracterização que
se tinha da
URSS na década de 1940: defesa da URSS frente aos ataques
imperialistas, combinada com uma luta pela derrubada política da
burocracia stalinista, ou um
anti-defensismo que igualava a URSS à Alemanha nazista e ao
imperialismo estadunidense.
Em
síntese, a lógica permite as caracterizações políticas que, por
sua vez, avalizam as orientações políticas.
Trotsky
criticou
o
formalismo da fração “antidefensista” do
SWP,
cuja composição pequeno burguesa a impelia a se afastar da
dialética. Como
observara Trotsky, “o axioma A é igual a A aparece por um lado
como o ponto de partida de todo o nosso conhecimento é, por outro,
como o ponto de partida de todos os seus erros”. Afinal, a lei da
identidade tem duas faces, ou seja, é verdadeira e falsa (NOVACK,
2005).
A
lógica formal impede de vermos a contradição nascer no seio de
algo. Nas palavras de Novack, a lógica formal “a toda pergunta
responde com um sim categórico ou um não incondicional. Entre a
verdade e a mentira não há pontos intermediários, não há
transições aos escalões que as conectem” (2005, p. 43). Neste
caso, a lógica formal impede que compreendamos que um
revolucionário tenha mudado e se tornado num conservador que exerceu
um papel contrarrevolucionário.
Dizer
que Fidel morreu como um revolucionário, e que por isso deve ser
celebrado, seria mais ou menos a mesma coisa que dizer que Lula
continua sendo um operário e classista; ou
ainda que Dilma ainda é a jovem guerrilheira adepta de ações
isoladas da classe trabalhadora.
Tal raciocínio não é materialista, pois valoriza, em última
instância, a aparência
das coisas;
e não é, como vimos, dialético, pois não percebe que a identidade
das coisas pode mudar. Desta
forma, Fidel permaneceria, invariavelmente, revolucionário; tal como
A
sempre permanece sendo A.
A lógica formal exige um mundo fantasioso, pois estático.
A
verdade
é que muitos
reformistas e stalinistas fazem essas caracterizações para
justificar políticas
oportunistas
na
luta de classes.
Fidel
Castro morreu como um
profundo conservador que
dedicou suas energias para conservar sua burocracia no comando de
Cuba, impedindo a formação de uma democracia operária capaz
de dirigir o Estado cubano
e impulsionar processos
revolucionários internacionais.
Seu papel conservador exerceu uma dinâmica
contrarrevolucionária que garantiu a restauração do capitalismo em
Cuba, ainda nos anos de 19906.
Os
revolucionários permanecem vivos e a maior parte deles milita
debaixo da democracia burguesa de seus respectivos países, tentando
superar o maior problema da humanidade, a crise da
direção revolucionária. E
sobre isso não nos resta
dúvida: Fidel Castro fez
parte do problema, e não da solução.
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Referências
MORENO,
Nahuel. Lógica marxista e ciências modernas. São
Paulo: Sundermann, 2007.
NOVACK,
George. Introdução à lógica marxista. São Paulo:
Sundermann, 2005.
3Dentre
eles, o PCB: https://pcb.org.br/portal2/12726.
5Ver:
O veredicto da história, de
Martin Hernandez.
6Ver:
http://litci.org/pt/mundo/america-latina/cuba/a-cuba-de-fidel-da-revolucao-a-restauracao/.
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