Opinião: Sobre um reformismo sem reformas e uma saída operária para a crise política


* Por Leonardo Cechin

Com a chegada da crise capitalista mundial no Brasil em 2011-12, os governos petistas de conciliação de classes começaram a dar indícios de sua degeneração. Processos principalmente da juventude mostravam o início de uma ruptura com as direções burocráticas do PT que paralisaram a classe operária por décadas, como as jornadas de junho de 2013. Naquele momento se abriu a situação da luta de classes na qual ainda estamos hoje: um profundo desligamento das bases operárias com o projeto do PT e o início de mobilizações, a crise econômica e política, a implementação de ajustes mais profundos contra os trabalhadores e uma incerteza sobre o fechamento desse ciclo à esquerda ou à direita.

Naquele momento, quase toda a esquerda que se reivindica socialista declarava-se oposição aos governos petistas, por mais que na prática ela nem se realizasse, ou caso sim, muito timidamente, como o PSOL. Com o impeachment de Dilma lançado por algumas frações da burguesia contra a ala majoritária da classe dominante, que ainda se colocava em defesa do mandato escolhido para aplicar o ajuste fiscal, ou seja, a coligação da frente polular encabeçada por PT e PMDB, uma pressão recaiu sobre todos os partidos e grupos à esquerda do PT: construir uma alternativa classista que superasse o petismo, ou abraçar-se ao semi-cadáver da conciliação de classes num discurso de uma suposta "onda conservadora".

O que acontece, infelizmente, é que a adaptação à frente popular levou também para uma defesa do próprio regime democrático-burguês. Isso não significa ser contra consignas democráticas, que são a essência da elevação da consciência das massas, mas sim completamente contra a defesa de um regime democrático dentro deste próprio. A consigna de defesa da democracia, abstrata e por si só, é a principal ferramenta da social-democracia e do reformismo para impedir o avanço do proletariado. Nesse sentido, os revolucionários devem levantar a demanda de democracia em regimes militares, por exemplo, e em regimes já democráticos, demandas como maior participação política, menos influência do poder econômico nas eleições, menos restrições para a constituição de partidos socialistas oficialmente, etc. O centro dessa confusão está no discurso petista de "golpe de Estado" e a consequente capitulação à esse discurso. Pois para os que defendem a teoria do golpe, mesmo os que se dizem marxistas, houve uma ruptura na legalidade burguesa, assim como em 1964, idêntica em conteúdo, diferente na forma: dos tanques do exército para o judiciário. E nessa lógica, obviamente, num risco iminente de perda total das liberdades democráticas, deveríamos nos lançar "em defesa da democracia" e "contra o golpe". Mas não é esse o caso. Através de mecanismos que a própria Constituição burguesa permite, as classes dominantes decidiram substituir um governo estagnado e sem base para aplicar os ajustes, por outro com condições de fazê-lo. Afinal, como Engels bem explicou, o Estado nada mais é que um balcão de negócios da burguesia.

E partindo dessa concepção, os erros apenas se aprofundaram, acrescentando pérolas como a 'ilegitimidade' de Temer para aplicar as reformas, pois não teria sido eleito pelas urnas. O que não é verdade, afinal, Michel Temer foi eleito ao lado de Dilma em 2014 com pouco mais de 54 milhões de votos. O que é verdade, é que esses projetos não passariam pelo voto dos trabalhadores, foi por isso que Dilma cometeu estelionato eleitoral mentindo em sua campanha, prometendo defender os direitos trabalhistas, mas menos de 1 mês depois de ser eleita os atacou duramente, aumentando por exemplo o tempo mínimo de seguro desemprego de 6 meses para 1 ano e meio. Caso Michel Temer tivesse a suposta legitimidade, poderia então atacar a classe trabalhadora impiedosamente?

A fraqueza desse discurso pode ser destinada a uma análise por dentro da institucionalidade, desconsiderando a luta de classes por completo. E negar a luta de classes com ideias supostamente progressistas é a centralidade da política reformista. Aqui se aplica uma imagem utilizada por Trotsky para analisar a frente popular governante na França, na década de 1930. Ele dizia que, muitas vezes, a política parece-se com um trem no qual cada vagão que se acopla, embora diga que está “à esquerda” do anterior e tem críticas a este, ao final, segue, com todos os outros vagões, na mesma direção encabeçada pela locomotiva.

Dessa maneira, os revolucionários não precisam se submeter aos reformistas para a defesa de plataformas democráticas, mas sim levantar suas próprias, em sentido que aponte para a ruptura com o sistema capitalista. A frente popular já teve a chance de mostrar a que veio, esse projeto de democracia governou o país por 14 anos, e o resultado foi, como tanto gosta de dizer o próprio Lula, margens de lucro para os banqueiros e empresários nunca antes vistas na história.

Hoje, com a divulgação dos áudios de conversas entre Temer e o empresário da JBS Joesley Batista, onde o presidente dava aval para a compra de Eduardo Cunha, mesmo já preso, a 'locomotiva' petista e todos seus 'vagões' auxiliares bradam novas eleições para a presidência. Projetando, é claro, o nome de Lula. O que não faz sentido é a acusação da frente popular de que as investigações são uma caça às bruxas contra o PT orquestrada pelo imperialismo para acabar com os direitos trabalhistas, mas agora que todos os partidos da direita estão ameaçados e a veracidade das acusações convém ao PT, elas são legítimas e verdadeiras. Nesse caso, deve-se também exigir a prisão de Lula e Dilma, que foram mencionados pela mesma delação da JBS por terem recebido R$ 150 milhões. Como isso não é feito, fica a entender que a frente popular atua com a mesma seletividade que tanto critica.

O problema central não está em defender novas eleições, mas sim no conteúdo desse chamado. Diante da total desmoralização não só dos políticos tradicionais, mas também do próprio regime democrático pela classe operária, os revolucionários defenderem eleições tradicionais nos limites do que a burguesia permite significa, no mínimo, que essa demanda não ameaça as classes dominantes. O Programa de Transição explica que o objetivo das demandas democráticas é levar a democracia ao seu máximo para expor as contradições do regime. Assim, não bastam eleições convencionais, controladas pelo poder econômico, onde só os candidatos escolhidos pela burguesia têm espaço e logo chances reais de vitória, eleições assim eles próprios podem realizar caso seja de interesse, como o senador do PP Esperidião Amim, que defende diretas para presidente. É por isso que a demanda petista de eleições se dá nos marcos convencionais, eles querem uma repactuação por cima, assim como se daria em 2018. Justamente por isso devemos nos opor à esse chamado, e batalhar por novas eleições gerais, para todos os cargos, mas com regras diferentes. Essa demanda dialoga com o nível de consciência atual das massas, coloca uma saída na mobilização para sua insatisfação com o regime, pois um cenário de eleições gerais livres de financiamento privado e tempo igual para todos, apenas se daria pela imposição da classe operária em luta. Ao mesmo tempo em que não podemos nos limitar aos marcos do regime, fazendo uma forte propaganda do poder operário, apontando para o conjunto dos explorados que a solução dos principais problemas hoje apenas pode se dar, de forma que não seja contra a maioria, sob um governo de ruptura com o capitalismo. O que não significa desconhecer a realidade concreta do país, ninguém nega que não existe hoje uma situação de duplo poder, a propaganda do socialismo é o elemento mais básico da política revolucionária, e se não levarmos o socialismo às massas, não serão elas que o construirão de forma espontânea. E bem apontou Trotsky também no Programa de Transição, que "o principal obstáculo na transformação da situação pré-revolucionária em situação revolucionária é o caráter oportunista da direção do proletariado, sua covardia pequeno-burguesa diante da grande burguesia, os laços traidores que mantém com esta, mesmo em sua agonia."

Como dito de início, esse ciclo de falência da frente popular não foi encerrado, assim como a crise capitalista, e para evitarmos que esse processo se encerre com uma vitória pela direita das classes dominantes, é obrigação histórica dos que reivindicam a teoria marxista revolucionária construir um polo operário e socialista que supere definitivamente o capitalismo e suas variantes 'progressistas'. É nesse sentido que levantamos a consigna de eleições gerais com novas regras, aliada à propaganda de um governo operário apoiado em conselhos populares.

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