O fim dá URSS prova que o socialismo não da certo?
É muito
difundida pelos liberais, conservadores, a grande imprensa e a
burguesia, a ideia de que o fim da URSS prova que o socialismo não deu
certo e por isso estaria sepultado para sempre. Para tentar fundamentar,
explicam a queda dos Estados operários burocratizados do leste europeu
como consequência das contradições e limites do próprio socialismo.
Afirmam que na corrida econômica entre as duas superpotências, os EUA
venceram, e, portanto, estaria tirada a prova dos nove de qual sistema
social seria melhor.
Para
no fim refutar esta argumentação, tentaremos ao longo do texto
responder três questões: 1) Se as dificuldades econômicas
inevitavelmente levam a queda do socialismo?; 2) Senão, porque a URSS
acabou?; 3) Se acabou, isso não prova que é inviável de alguma forma?
As dificuldades da edificação do socialismo
Os
ideólogos burgueses afirmam que os problemas econômicos que
contribuíram para a queda da URSS são fruto dos limites e contradições
do próprio socialismo, principalmente no terreno econômico. Entretanto,
os primeiros que elaboraram sobre as dificuldades da construção
econômica socialista na Rússia foram Lênin e Trotsky, os principais
dirigentes da revolução. Vale lembrar que nos primeiros anos da
revolução russa o senso comum, difundido pela burguesia e seus
ideólogos, era que a revolução não passava de uma aventura bolchevique
sem a menor possibilidade de duração.
Lenin em 1918 já afirmava que:
As nossas tarefas complicam-se com a passagem de todo o poder — desta vez não só político, e sobretudo até não o político, mas o económico, isto é, o que diz respeito às bases mais profundas da vida quotidiana do homem — para uma nova classe, e além disso para aquela classe que leva atrás de si pela primeira vez na história da humanidade, a imensa maioria da população, toda a massa de trabalhadores e explorados. É por si mesmo evidente que aqui, dada a muito grande importância e as muito grandes dificuldades das tarefas de organização, quando temos de organizar de uma maneira completamente nova as bases mais profundas da vida humana de centenas de milhões de pessoas(…)¹
Trotsky,
que foi membro do conselho supremo da economia nacional em 1925, já
apontava as contradições da economia soviética. Explica que as
dificuldades da economia soviética se dão por uma série de elementos,
dentre os quais, as dificuldades no controle e registro, e daí se
derivava a dificuldade na relação entre quantidade e qualidade na
produção, o atraso cultural russo, o fato da tarefa ser nova como
colocava Lenin e muitos outros desafios. Mas os dois pontos fundamentais
eram a relação com o mercado mundial e o problema agrário com as
pequenas propriedades no campo: “As duas fontes de flutuações geradoras de crise são, por um lado, a econômica camponesa, e, por outra, o mercado mundial.”²
Inclusive,
a partir destas analises corretas, em 1932, quando a URSS estava em
pleno desenvolvimento econômico, Trotsky conseguiu prever as crises
posteriores. Mais aqui ele já está polemizando com os erros políticos da
burocracia e do stalinismo no desenvolvimento econômico soviético. O
texto inclusive se intitula “A economia soviética em perigo”: ”As
vantagens produtivas do socialismo, da centralização, da concentração,
da administração unificada são incalculáveis. Mas a aplicação errônea,
particularmente o abuso burocrático, pode as converter em seus opostos. E
já se transformaram parcialmente ante a crise que se aproxima.”³
URSS e os problemas econômicos
Focaremos
mais especificamente na relação da economia soviética com o mercado
mundial, pois tem maior relevância para o processo de restauração
capitalista posterior.
Ainda em 1925, Trotsky colocava o problema desta maneira: “O
mercado nos submeteria sem duvida alguma se nos enfrentarmos unicamente
ao nível do mercado, porque o mercado mundial é mais forte que nós. Nos
debilitaria mediante suas flutuações econômicas e, depois de ter nos
debilitado, nos coesionaria através da superioridade quantitativa e
qualitativa de sua massa de mercadorias” ⁴
Lenin
também aborda este problema do mercado mundial sob outro aspecto. Para
ele, a luta de classes não está encerrada quando os trabalhadores tomam o
poder em um determinado país. Ela continua internamente no país e
também internacionalmente contra o imperialismo e pela revolução
mundial. Em 1919, explicava que:
O socialismo é a supressão das classes. A ditadura do proletariado fez tudo o que podia para essa supressão. Mas é impossível suprimir as classes de repente. E as classes mantiveram-se e manter-se-ão durante a época da ditadura do proletariado. (…)As classes mantiveram-se, mas cada uma delas modificou-se na época da ditadura do proletariado; modificaram-se também as suas inter-relações. A luta de classes não desaparece sob a ditadura do proletariado, toma apenas outras formas.(…) Os exploradores foram derrotados, mas não aniquilados. Continuam a ter uma base internacional, o capital internacional, de que eles são uma sucursal. (…)A “arte” de dirigir o Estado, o exército, a economia, dá-lhes uma superioridade muito grande, de modo que a sua importância é incomparavelmente maior do que a sua parte no conjunto da população. A luta de classe dos exploradores derrubados contra a vanguarda vitoriosa dos explorados, isto é, contra o proletariado, tornou-se infinitamente mais encarniçada. (…)⁵
Trotsky em 1925 já apontava a contradição entre comercio exterior e luta de classes.
Não somente todos os processos fundamentais da nossa economia dependem dos processos dominantes no mercado mundial, senão que estão submetidos em certa medida ao efeito das leis que dominam o desenvolvimento capitalista, incluídos as mudanças nas condições econômicas. Por conseguinte, resulta disso uma situação na qual, como entidade de negócios temos interesses, dentro de certos limites, em que melhores as condições nos países capitalistas, e na qual, pelo contrário sofremos como mínimo um prejuízo no caso de que as condições piorem.⁶
A
explicação das dificuldades econômicas tem a ver com a relação entre o
desenvolvimento das forças produtivas e o as fronteiras nacionais. O
fato da revolução estar isolada em apenas um país e não se alastrar para
os países centrais(até se alastrou um pouco, mas para países
periféricos.), é o grande problema do caso Russo. Deste isolamento
resulta os problemas da relação com mercado mundial que tanto alertou
Trotsky e a manutenção da luta de classes sob outras formas como afirma
Lenin. O altíssimo grau de mundialização dos capitais e da produção é a
base objetiva na qual se sustenta que o socialismo só poderia se dar em
escala mundial. Sequer a tomada do poder em apenas um país, mesmo que
desenvolvido, é o suficiente para a construção de qualquer tipo de
socialismo restrito as fronteiras nacionais. Mas este problema ganha uma
envergadura ainda maior por se tratar de um país atrasado (Rússia)
contra o mundo capitalista.
Outro
elemento importantíssimo para as dificuldades econômicos é o papel da
contrarrevolução stalinista e a asfixia burocrática do estado operário
que se degenerou. A conclusão de Trotsky é brilhante. Destaca justamente
o aspecto político do problema econômico.
Nesse sentido, fazia toda diferença qual política seria adotada pelo
estado operário. E como seria fundamental ter uma política
revolucionária de desenvolvimento da revolução mundial e não de mera
competição econômica com o imperialismo.
Os países que entramos em relações comerciais cada vez mais estreitas tem um sistema exatamente oposto – o protecionismo capitalista, no sentido mais amplo da palavra- eis no que consiste a diferença. No território soviético a economia socialista luta contra a economia capitalista, tendo o Estado operário do seu lado. No território do mercado mundial o socialismo vai contra o capitalismo protegido pelo Estado imperialista. Neste caso, não é somente a luta da economia contra a economia, senão também a luta da política contra a política. (…)Em primeiro lugar: Com que métodos e até que ponto a planificação e a direção do Estado operário são capazes de preservar nossa economia da influência das flutuações do mercado capitalista? Em segundo lugar: Em que medida e com que métodos o Estado operário pode proteger o desenvolvimento futuro das tendências socialistas da economia contra as armadilhas capitalistas do mercado mundial?⁷
Mesmo
nos marcos de uma revolução socialista que rompa com a dominação
imperialista, é um fato que diante do isolamento da revolução e com a
existência do mercado mundial capitalista, acordos comerciais pontuais
com o imperialismo inevitavelmente ocorrem, como já apontava Trotsky
sobre a relação da URSS com o comercio mundial. O problema é subordinar a
política revolucionaria a submissão ao mercado mundial e adaptar o
programa a isso. O stalinismo ao não entender as contradições a que a
URSS estava submetida resolveu a contradição pela negativa, ou sejam
cada vez sucumbindo mais ao mercado mundial. A burocracia ao se adaptar a
isto, abandonou a luta política contra o imperialismo e a substituiu
pela diplomacia, abandonando a luta de classes e o desenvolvimento da
revolução mundial, fundamentando isso através da teoria do socialismo em
um só país e da coexistência pacífica com o imperialismo. Por sua estratégia estar ligada a manutenção de seus privilégios.
A
justificativa da supremacia do capitalismo utilizando as dificuldades
econômicas não é válida. Sequer o argumento de que o socialismo é
impraticável ou que inevitavelmente caminhava para seu próprio colapso.
Pelo contrário, estão expostos todos os problemas novos surgidos da
primeira experiência de revolução proletária da história. Problemas que
dizem respeito ao fato da revolução socialista ter sido vitoriosa na
Rússia e não em todo mundo, o que obrigava este país a se relacionar com
um mundo capitalista. Mas mais que isso, vimos como o Estado surgido da
revolução lida com essas contradições econômicas depende inteiramente
da política, e o programa stalinista aplicado na URSS foi antagônico ao
socialismo como veremos na próxima parte do texto. Fica imprudente então
falar de qualquer tipo de inevitabilidade de colapso.
É evidente que a fusão da União Soviética com a economia de uma Europa soviética resolveria com êxito a questão dos coeficientes de comparação da produção socialista e capitalista, por muito forte que fora a resistência da América. E poderia se perguntar se esta resistência duraria muito tempo. ⁸
Então
não é possível afirmar que as dificuldades econômicas são fruto da
aplicação pratica do socialismo. Ou seja, está refutado aquele senso
comum que diz, que o socialismo é uma ideia muito boa, mas quando
aplicada se vê que não é possível. Na verdade, os principais teóricos do
socialismo após Marx, e o próprio com as limitações de seu tempo, já
assinalavam essas dificuldades e as explicavam.
Exposto
tudo isso, sobra um último argumento a burguesia. A comparação entre
socialismo e capitalismo é que um existe até hoje e o outro não. Então
devemos buscar compreender as razoes pelas quais se restaurou o
capitalismo na URSS, a partir de uma compreensão do significado do
stalinismo.
A contrarrevolução stalinista
Igualar
socialismo ao stalinismo é um dos maiores erros em qualquer analise
minimamente séria sobre a URSS. Toda revolução engendra
contrarrevoluções, justamente porque a luta de classes não cessa
enquanto subsistem países capitalistas e a resistência dos exploradores.
Com
as dificuldades econômicas e o isolamento da revolução, foi se formando
no interior do partido bolchevique, nos sovietes e em todo lugar, uma
casta privilegiada, que tinha como programa a manutenção e ampliação de
seus privilégios. A burocracia foi a base social na qual se apoiou o
stalinismo. O stalinismo foi a doutrina política e ideológica desta
burocracia nascente, que desencadeia um processo contrarrevolucionário a
partir da morte de Lenin e da ascensão de Stalin. Este processo de
burocratização não era inevitável, mas era preciso lutar contra ele.
Esta era a política daqueles que ficaram conhecidos como trotskistas e
que por isso foram perseguidos, mortos e assassinados.
Assim,
se destruiu o partido bolchevique transformando-o no seu contrário, em
um partido burocrático. Se assassinou todos os dirigentes que poderiam
fazer frente a Stalin e a burocracia. Se abriu um processo de
perseguição contra trabalhadores e revolucionários que não concordassem
com os rumos da URSS. Se criou a doutrina de que seria possível o
“socialismo em um só país” contra a tese do internacionalismo proletário
e da revolução mundial que sempre foi ponto consensual no programa dos
marxistas revolucionários.
Foi
se criando uma nova ideologia de coexistência pacifica com o
imperialismo e que o socialismo chegaria a sua plenitude através do mero
desenvolvimento econômico soviético. Nem Lenin, nem Trotsky, nem em
lugar nenhum do programa marxista, a questão do desenvolvimento do
socialismo internacional foi posta desta maneira.
Não
é à toa, portanto, que a política dos partidos comunistas ao redor do
mundo no período stalinista foi orientada a partir dos interesses do
comercio exterior soviético e não das necessidades da luta de classes.
Assim fez-se com que o PC argentino apoia-se a ditadura de Videla por
conta do comercio mantido entre a ditadura e a URSS. Ou logo após a 2º
Guerra onde Stalin teve a política de reconstrução do capitalismo na
Europa, e orientou a subserviência dos PCs as burguesias locais através
da política da frente popular.
Os desafios econômicos e a restauração capitalista
Foi
o papel desta direção stalinista e da burocracia soviética que tornou
os problemas económicos cada vez mais insolúveis, apesar destes
problemas terem bases objetivas como já vimos. Em 1936, Trotsky resume
bem a questão:
A URSS é uma sociedade intermediária entre o capitalismo e o socialismo, na qual: a) As forças produtivas são ainda insuficientes para dar a propriedade do Estado um caráter socialista; b) A tendência a acumulação primitiva, nascida da sociedade, se manifesta através de todos os poros da economia planificada; c) As normas de distribuição, de natureza burguesa, estão na base da diferenciação social; d) O desenvolvimento econômico, ao mesmo tempo que melhora lentamente a condição dos trabalhadores, contribui a formar rapidamente uma camada de privilegiados; e) A burocracia, ao explorar os antagonismos sociais, se converteu em uma casta incontrolável, estranha ao socialismo; f) A revolução social, traída pelo partido governante, vive ainda nas relações de propriedade e na consciência dos trabalhadores; g) A evolução das contradições acumuladas pode conduzir ao socialismo ou lançar a sociedade ao capitalismo; h) A contrarrevolução em marcha ao capitalismo terá que romper a resistência dos operários; i)Os operários, ao marchar ao socialismo, terão que derrotar a burocracia. O problema será resolvido definitivamente pela luta de duas forças vivas no terreno nacional e internacional. ⁹
Estas
contradições do desenvolvimento econômico soviético e o mercado mundial
vão se agravar ao longo da década de 60 e 70 com o fim do boom
econômico do pós-guerra e em especial com a crise econômica mundial de
73.
Moreno,
à luz dos fatos novos e das formulações de Trotsky, nas teses
internacionais da LIT de 1984, caracteriza as contradições do
desenvolvimento econômico da URSS na segunda metade do século XX: “A
economia soviética se debate há tempos no estancamento. Vale a pena
recordar uma vez mais a analise genial que Trotsky fez da economia da
URSS em 1936, na etapa em que ela vivia um acelerado crescimento,
superando de longe o ritmo dos países capitalistas mais avançados.
Ele
disse que a economia soviética poderia crescer assim apoiando-se nas
imensas vantagens da planificação e apesar da espantosa condução da
burocracia, enquanto se tratasse de alcançar o desenvolvimento do
capitalismo, de imitar ou copiar técnicas, inclusive de roubar segredos
do mundo capitalista. Nessa situação, a existência da burocracia seria
um obstáculo relativo para o desenvolvimento da economia. Quer dizer, a
burocracia gasta mal e por demais, administra horrivelmente mal,
desordena a produção e apesar disso, consegue avançar e muitíssimo,
encurtando a brecha que a separa da econômica capitalista-imperialista
avançada. Mas, disse Trotsky, tão pronto se aproxime do nível de
desenvolvimento capitalista, e sobrevivendo o mercado mundial nas mãos
do imperialismo, termina o avanço. A existência da burocracia será um
obstáculo absoluto para o desenvolvimento da economia soviética. Esta
deixará de crescer, se estancará e começara a decair.
Esta lei se cumpriu ao pé da letra. Há anos a produção na URSS cresce menos que a população.”¹⁰
Mas Moreno vai além é localiza a crise econômica capitalista com a crise econômica soviética:
O imperialismo avança sobre os Estados operários para saqueá-los também. É uma ofensiva semicolonizadora, que já está extraindo mais-valia do proletariado desses países, em maior ou menor grau. Faz isso através do comercio internacional, mas a semicolonização aponta ao mais profundo da econômica. Alguns destes países já estão endividados com os bancos imperialistas e inclusive firmaram acordos com o FMI. A isto há que somar os investimentos diretos de capital e, como elemento mais avançado do processo de semicolonização, a conquista de verdadeiros enclaves econômicos na China e Iugoslávia. ¹¹
E assim chega a explicação da crise econômica soviética:
Por serem economias não dominadas pelo capitalismo sua crise se expressa de formas totalmente diferentes dos países capitalistas. É de subprodução, não de superprodução. Há filas de compradores com muito dinheiro, mas não há bens para comprar. Isto se deve a que a burocracia é incapaz de organizar a produção para satisfazer as necessidades da população. Mas seria um erro confundir a forma de como se dá a crise com as causas da mesma. A causa primeira e fundamental é que são economias nacionais relativamente atrasadas, ou de desenvolvimento intermediário como a URSS, objetivamente inseridas, queiram ou não seus governos, em uma economia, um desenvolvimento tecnológico e um mercado mundial dominados pelo imperialismo, especialmente o ianque.A burocracia sustenta que os trabalhadores de qualquer país enfrentam um só flagelo: os exploradores nacionais. Mas os flagelos são dois; o segundo são as fronteiras nacionais e o atraso, que permitem ao imperialismo explorar e oprimir a esse país isolado em suas fronteiras, mesmo se já se retirou desde cima os exploradores nacionais. ¹²
O
papel da direção stalinista ao longo do século XX afundou o
proletariado em derrotas e propiciou a sobrevida que ganhou o
capitalismo. E depois de trair centenas de revoluções pelo mundo. O
stalinismo cometeu seu maior ato de traição: restauraram o capitalismo
no primeiro estado operário da história.
Trotsky
colocava três possibilidades para a URSS. Os trabalhadores com uma
direção revolucionaria fariam uma revolução política na URSS e
derrubariam a burocracia e colocariam a URSS a serviço da revolução
mundial, que foi a política dos trotskistas ao longo de todo período
stalinista. Ou um partido burguês ou o imperialismo tomariam o poder e
restaurariam o capitalismo. Ou o terceiro onde a própria burocracia
restauraria o capitalismo. Vejamos o famoso prognóstico de Trotsky de
1936 que de fato aconteceu: “Admitamos que nem um partido
revolucionário, nem um partido contrarrevolucionário se apoderem do
poder e que seja a burocracia a que se mantenha à frente do poder (…). A
evolução das relações sociais não cessa… ela (a burocracia)
restabeleceu as patentes e as condecorações; será, então,
inevitavelmente necessário que busque apoio nas relações de
propriedade.” ¹³
O
que se chama fim do socialismo é na verdade a concretização da política
stalinista em seu grau mais elevado, que nada tem de socialista. Um
processo contrarrevolucionário que levou décadas para destruir e solapar
todas as conquistas da revolução russa. A restauração capitalista não
foi fruto de contradições econômicas insolúveis e ponto. Mas sim da
opção política da burocracia de virar burguesia, foi o ponto auge da
política de traição stalinista, onde é obvio que as dificuldades
econômicas pesaram para isso.
Os erros na comparação entre a URSS e os países capitalistas
Para
se comparar qualquer coisa deve-se estabelecer as medidas, os
parâmetros, se definir do que se fala. Os ideólogos burgueses cometem um
primeiro erro ao fazerem um recorte temporal arbitrário e estático,
ignorando a universalidade da revolução russa e não leva em conta todo o
desenvolvimento histórico econômico social conquistado através da
revolução. Interpretam a realidade da revolução russa como um retrato
dos anos 80, de estagnação econômica e controle burocrático. Mas o que a
burocracia soviética stalinista fez não é a revolução russa, mas sim
sua negação.
A
arbitrariedade na comparação não para por aí. Embelezam o capitalismo,
pois também fazem um retrato estático do mesmo. Vamos comparar a URSS
com os EUA em crise nos anos 30? Então não tomam como um todo sequer o
capitalismo, pincelam da realidade o que lhes interessa e assim a
distorcem.
Como
consideram razoável comparar uma sociedade mundial capitalista com mais
de 200 anos de desenvolvimento com a burguesia governando o mundo por
séculos, com um estado arcaico e atrasado limitado em suas fronteiras
nacionais e imerso nesse mundo capitalista, mas com uma formação social
diferente? Ao invés de comparar a Rússia soviética com os EUA ou os
países centrais do capitalismo, poderíamos compará-los com os países da
periferia do capitalismo o que faria muito mais sentido haja vista
maiores similaridades com a formação histórica econômica e social entre
estes países.
Se
ainda assim, insistem na comparação arbitraria, podemos elencar mais um
erro. Como afirmar que não deu certo um sistema social implementado na
Rússia agrária, semifeudal e absolutista, e que utilizando os critérios
de desenvolvimento econômico capitalista, fez este país atingir o
patamar de segunda potência econômica mundial, apesar de todo o erro da
política stalinista a partir da segunda metade dos anos 20? Ou seja,
compara-se com quais critérios? Critérios capitalistas ou socialistas?
Pois bastaria que nos lembrássemos das conquistas econômicas, culturais e
sociais para os trabalhadores soviéticos que não se sonha existir nem
nos países capitalistas mais desenvolvidos de hoje em dia.
No
geral, fica aqui demonstrada que as comparações não levam em conta as
conquistas, o mérito e as vitória do socialismo. Como diria Trotsky, “O
socialismo mostrou seu mérito e vitória, não nas páginas de O Capital,
senão na arena industrial que compreende 1/6 da superfície da Terra –
não nos termos da dialética, mas nos termos do aço, da eletricidade e do
cimento. Mesmo se a União Soviética, devido a dificuldades internas,
ataques externos e erros dos dirigentes, colapsasse – o que firmemente
esperamos que não aconteça – iria permanecer para o futuro esse fato
indestrutível, que tão-somente por causa da revolução proletária, um
país atrasado conseguiu em 10 anos um ritmo de desenvolvimento que
nenhum país já conseguiu em toda a história da humanidade.” ¹⁴
A revolução Russa de 1917 e a possibilidade do socialismo
Por
fim, a última questão. Mesmo as dificuldades econômicas do socialismo
sendo explicadas e fundamentadas, assim como a queda da URSS, o fato
dela ter caído e acabado não prova de alguma forma o colapso do
socialismo? Dito de outra maneira, pode-se argumentar que os motivos do
colapso que apresentamos são intrínsecos ao processo revolucionário, ao
marxismo e ao socialismo? Por exemplo, se poderia argumentar que o
stalinismo é consequência natural e inescapável da aplicação pratica do
socialismo?
De
premissas corretas é possível tirar conclusões falsas. Esse é o perigo
de limitar o pensamento a lógica formal. Afirmar que o stalinismo e a
queda da URSS invalidam o socialismo, seria como dizer que a medicina
estaria invalidada por conta de um tratamento médico que desenvolva
efeitos colaterais ou que o doença reincida.
Se
estes argumentos fossem corretos, teríamos que negar as vitórias da
grande Revolução Francesa pelo papel que desempenhou a contrarrevolução
posterior com o Termidor. O termidor é consequência natural e inevitável
do levante contra a nobreza? Mil vezes não. A burguesia teria que rever
sua própria história de luta contra o antigo regime para sustentar esse
argumento. Mas hoje são tão conservadores e reacionários que de fato o
fazem. Mas sem deixar de cair no ridículo por isso.
A
revolução francesa está para a história das revoluções burguesas, assim
como a revolução russa está para a história das revoluções proletárias.
Ambas são revoluções não nacionais, mas revoluções que tem um sentido
universal. Na revolução russa o proletariado venceu e esta foi a vitória
de uma nova ordem social, a vitória da propriedade socializada contra a
propriedade privada dos meios de produção, da planificação econômica
sobre as leis do mercado capitalista, do internacionalismo proletário
sobre o nacionalismo burguês, do caminho da supressão das classes
sociais a manutenção da divisão de classes.
A
restauração capitalista russa não diminuem o profundo significado da
revolução russa. Na verdade, transforma a primeira experiência vitoriosa
da revolução proletária em um grande ensaio geral no qual todos que se
dizem revolucionários devem se apoiar. As lições da revolução russa são
seu maior legado, dentre tantas questões, nos mostra por exemplo que a
luta anti-burocrática deve ser parte integrante de qualquer programa
revolucionário e socialista.
Aqueles
que se apoiam nas críticas da URSS para negar o conteúdo das
transformações que a revolução russa propiciou cometem erros
imperdoáveis. Aqueles que rejeitam a revolução russa, em nome de uma
suposta luta contra o stalinismo, joga a agua com o bebe fora.
Não
é possível falar em fracasso da revolução Russa de 1917 como fracasso
do socialismo, do partido bolchevique ou da luta dos trabalhadores. É
sim, possível falar em fracasso da URSS quando analisamos o programa
implementado pelo stalinismo, que levou a maior vitória já conquistadas
pelos trabalhadores a ruína. Uma coisa é o fracasso da URSS stalinista,
outra é igualar isso a Revolução Russa.
Poderíamos falar de fracasso do socialismo se a hipótese dos
revolucionários fosse o desenvolvimento das forças produtivas a tal
ponto em um Estado nacional que fosse possível atingir o socialismo em
um país em um mundo capitalista. Mas esta era a hipótese stalinista! Não
a de Lenin, Trotsky e Marx. A hipótese deles se assentou no
desenvolvimento da revolução mundial. Para Lenin, a Revolução Russa
rompeu o ela mais frágil da cadeia imperialista e estaria a serviço da
estratégia da revolução mundial. Quem fracassou em 1989, não foi o
socialismo, mas seu detratores. Não é à toa que após a restauração
capitalista feita pela burocracia, os povos da Rússia e do Leste europeu
fizeram com que ela pagasse caro, derrubando as ditaduras burguesas
pró-imperialistas que surgiram na restauração.
Em lugar de aprender com o passado, eles o “corrigem”. Uns descobrem a inconsistência do marxismo, outros proclamam a falência do bolchevismo. Uns fazem recair sobre a doutrina revolucionária a responsabilidade dos erros e dos crimes daqueles que a traíram; outros maldizem a medicina porque não assegura uma cura imediata e miraculosa. Os mais audazes prometem descobrir uma panaceia e, na espera, recomendam parar a luta de classes. Numerosos profetas da nova moral dispõem-se a regenerar o movimento operário com a ajuda de uma homeopática ética. A maioria desses apóstolos conseguiu tornar a si próprios inválidos morais antes mesmo de descer ao campo de batalha. Assim, sob a aparência de novos caminhos só se propõe ao proletariado velhas receitas enterradas há muito tempo nos arquivos do socialismo anterior a Marx. ¹⁵
Referências
⁹ https://www.marxists.org/espanol/trotsky/1936/rt/09.htm – revolução traída
¹⁰ Tesis sobre la Situación Mundial – Proyecto del Secretariado Internacional de la LIT- 20 de octubre de 1984 – Nahuel Moreno
¹¹ Tesis sobre la Situación Mundial – Proyecto del Secretariado Internacional de la LIT- 20 de octubre de 1984 – Nahuel Moreno
¹² Tesis sobre la Situación Mundial – Proyecto del Secretariado Internacional de la LIT- 20 de octubre de 1984 – Nahuel Moreno
¹³ https://www.marxists.org/espanol/trotsky/1936/rt/09.htm – Revolução traída
Comentários
Postar um comentário
Gostou dessa matéria? Deixe seu comentario.