Por que a Catalunha quer se separar do Estado espanhol?
No dia 1º de outubro, o governo da Catalunha realizou um referendo de independência, no qual fazia a seguinte pergunta à população: “Quer que a Catalunha seja um Estado independente na forma de República?” O governo espanhol ficou tão preocupado com a possibilidade de uma ruptura no seu Estado que mandou mais de 10 mil agentes da Guarda Nacional para impedir a realização da votação. O resultado foi mais de 800 pessoas feridas e dezenas de presos. Mesmo assim, em condições precárias, mais de 2 milhões votaram, e mais de 90% se posicionaram a favor da independência.
A Catalunha é uma das regiões mais ricas e industrializadas do Estado espanhol. Tem aproximadamente 8 milhões de habitantes e é responsável por 20% do PIB do país. Aproximadamente 10% da sua população trabalha na indústria, o que não é um número insignificante, tendo em vista o forte processo de desindustrialização sofrido pelo Estado espanhol nas últimas décadas, principalmente depois que o país entrou na União Europeia (UE) e passou a cumprir um papel de economia secundária, subordinada à Alemanha, França e Reino Unido, as três principais potencias econômicas da UE.
O referendo causou uma das maiores crises institucionais e sociais desde a época da Transição, período no qual o Estado espanhol passou do regime ditatorial franquista para uma democracia parlamentar monárquica.
A economia continuou capitalista, mas os setores burgueses que passaram a controlar o aparato do Estado estavam totalmente integrados ao projeto imperialista da União Europeia. O regime surgido da Transição é conhecido como “Régimen del 78”, que na realidade é herdeiro do regime franquista com concessões democráticas. Preservam-se intocadas as estruturas do franquismo no interior do Estado (Justiça e aparato de repressão) e continua instituída a monarquia com real poder moderador e de veto às decisões do Parlamento.
O Poder Judiciário continua impregnado de juízes que vêm do período anterior. O Partido Popular, que governa atualmente, é o partido dos setores reformistas do franquismo. Além disso, parte importante das leis foram aprovadas no final da ditadura e tinham como objetivo preservar o essencial do regime quando o general Franco morresse. Juan Carlos, pai do rei atual, foi nomeado diretamente pelo ditador. A monarquia é, sem dúvida, o principal símbolo da continuidade do franquismo.
A burguesia catalã e o separatismo
Esse deslocamento de uma parte da classe média catalã e de amplos setores populares para posições independentistas se explica pelo início da crise econômica, os cortes orçamentários e imposições de uma série de reformas que retiraram direitos e aumentaram a exploração da classe trabalhadora. A burguesia da Catalunhac (na foto, ao centro, o governador da Catalunha, Carlos Puigdemont) não quer levar às últimas consequências o processo separatista. Historicamente, sempre utilizou o sentimento nacional do povo catalão, que se baseava numa opressão real do nacionalismo espanhol, para negociar com a burguesia espanhola melhores condições na repartição da riqueza nacional. Agora, é exatamente isso que está fazendo, com a diferença de que tem atrás de si enormes setores populares mobilizados pela independência.
A crise capitalista, iniciada em 2011, levou a um enfrentamento entre dois setores burgueses, por um lado, e um processo de mobilização social, por outro, que está provocando uma crise sem precedentes no regime.
Defender de fato o direito à autodeterminação das nacionalidades oprimidas é posição de princípio. Elas têm o direito a decidir. Por outro lado, aprofundar esse processo de crise do regime, mantendo uma posição independente da burguesia e dos partidos reformistas, chamando a classe trabalhadora a participar com suas reivindicações nas mobilizações, é uma das tarefas dos revolucionários nesse tipo de situação.
Todo apoio à greve geral na Catalunha
Depois do referendo, o sindicalismo alternativo – que se organiza por fora das centrais burocráticas CC.OO e UGT – convocou uma greve geral contra a repressão do governo central, em favor de direitos sociais e para que se aplique o resultado do referendo. Importantes setores dos trabalhadores e da juventude estão se mobilizando.
Uma parte da direção do bloco independentista, como a Assembleia Nacional Catalã (ANC), está contra a greve apelando a posições pacifistas. O povo catalão demostrou no dia do referendo que a única maneira de garantir a continuidade do processo independentista é pela mobilização social. A ocupação de escolas, centros de votação e as manifestações são essenciais nesse momento.
A Corrent Roig (Corrente Vermelha) está participando ativamente desse processo e construindo com todas suas forças essa luta pela autodeterminação da Catalunha e contra o regime reacionário que governa o Estado espanhol.
O que foi a "Transición espanhola"
A Constituição espanhola de 1978 afirma que o Estado espanhol é um Estado Plurinacional. Isso significa que, na Constituição, se reconhecem as distintas nações que compõem o Estado. Esse reconhecimento é produto de uma luta muito importante travada pelos setores populares que se mobilizaram na época da Transição (ou Transición em castelhano). A ditadura franquista não reconhecia as nacionalidades e sempre reprimiu duramente qualquer expressão nacional, como a catalã, a vasca e a galega, impondo uma visão de que a Espanha era um país totalmente homogêneo, onde todos eram espanhóis e deviam respeitar os símbolos, a língua, a religião católica, as tradições e os chamados heróis nacionais.
O reconhecimento das nacionalidades existentes no Estado espanhol foi uma vitória, mas ficou muito limitada pelos acordos que foram feitos durante a Transição entre os partidos burgueses, o Partido Comunista, o PSOE (partido da social-democracia) e os sindicatos majoritários para aceitar a monarquia, a UE e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Na época, eles realizaram um pacto social – conhecido como Pactos de Moncloa – e paralisaram as mobilizações em curso que caminhavam para varrer todo o antigo regime.
O reconhecimento das nacionalidades existentes no Estado espanhol foi uma vitória, mas ficou muito limitada pelos acordos que foram feitos durante a Transição entre os partidos burgueses, o Partido Comunista, o PSOE (partido da social-democracia) e os sindicatos majoritários para aceitar a monarquia, a UE e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Na época, eles realizaram um pacto social – conhecido como Pactos de Moncloa – e paralisaram as mobilizações em curso que caminhavam para varrer todo o antigo regime.
As nacionalidades teriam mais direitos, mas não o direito à autodeterminação, e teriam de respeitar os marcos jurídicos do Estado espanhol. Atualmente, a possibilidade de uma separação pode levar esse pacto e o próprio regime de 1978 a uma crise terminal.
Como se formou o Estado espanhol
A Europa viveu um período de mais de 200 anos de revoluções burguesas e de transição do feudalismo ao capitalismo. Quando a burguesia comercial europeia, que se formou a partir do comércio mediterrâneo e também da exploração colonial das Américas, alcançou um grau de desenvolvimento superior, precisou controlar o poder político e formar estados nacionais. As criações do Estado-nação, entre outras características, representariam um mercado único no qual seria possível explorar a força de trabalho do proletariado para produzir e vender seus produtos.
A formação dos estados nacionais foi um processo longo, complicado e violento, porque significou a subordinação de povos inteiros. Povos que tinham língua e cultura próprias e foram dominados por outras nacionalidades que tinham poder econômico e militar para impor a dominação.
Em alguns casos, como na França, a formação do Estado nacional se deu por revoluções sociais muito profundas, que eliminaram a nobreza como classe dominante. Em outros casos, como no Estado espanhol, o processo se deu a partir de acordos entre a burguesia, a monarquia e a nobreza, e se realizou por meio de guerras de conquista e ocupação de territórios.
Por esse motivo, algumas nacionalidades, como a catalã, a vasca e a galega, seguem vivas e existem até os dias de hoje. No caso da Catalunha, o movimento nacional independentista (que tem setores de direita e esquerda, partidos burgueses, reformistas e pequeno-burgueses) é muito forte e enraizado na sociedade, principalmente nos setores mais pequeno-burgueses e do campo, apesar de ter força também na juventude urbana.
A defesa do direito a decidir e do direito a separar-se unilateralmente é legítima e deve ser defendida com unhas e dentes. Não podemos defender, como faz uma parte da esquerda, a união forçada entre os povos. É preciso lembrar das lições de Lenin durante a Revolução Russa. Há 100 anos, os bolcheviques respeitavam o direito de uma determinada nacionalidade de se separar do Estado russo caso desejasse. Essa política permitiu que as nacionalidades oprimidas adquirissem a confiança necessária nos operários russos que estavam à frente da revolução.
Queremos a unidade da classe trabalhadora para lutar contra a burguesia. Essa unidade, porém, só pode existir se defendermos o direito à autodeterminação de todas as nações oprimidas. Como dizia Marx, “não pode ser livre um povo que oprime outros povos”.
Publicado no Opinião Socialista nº 544
Comentários
Postar um comentário
Gostou dessa matéria? Deixe seu comentario.