A DITADURA CÍVICO–MILITAR EM SANTA CATARINA

Tarcisio Eberhardt – anistiado politico pela comissão da verdade e militante do PSTU


OS 50 ANOS DO GOLPE MILITAR, que instalou no Brasil uma ditadura em 1964, tem gerado um importante debate. E não trata-se um de “mero” debate histórico-acadêmico, ou apenas uma recordação de um triste período de nossa história. Ele faz parte de uma luta atual. Por isso ressurge com força a luta pela revogação da lei da anistia, criada pela própria ditadura, para impedir a punição aos torturadores e demais agentes da repressão, que cometeram toda espécie de crimes bárbaros. É inadmissível que depois de mais de 11 anos de governos do PT, e em especial de quase três anos do governo de Dilma, ela mesma uma vitima de tortura, que o Brasil continue a ser o único país da América Latina em que não houve qualquer punição aos autores e mandates das atrocidades cometidas durante a ditadura.

Também é necessário que todos os ativistas das grandes lutas que voltam a ocorrer no país desde junho do ano passado conheçam melhor esse história, para dela tirar conclusões que sirvam para nos armar diante de futuras tentativas da classe dominante de nos calar com algum golpe ditatorial. Temos que ter claro que a ditadura instaurada em 64 foi para impedir os trabalhadores, juntamente com os setores populares, de avançarem nas suas lutas, garantindo o total domínio das grandes empresas capitalistas e do imperialismo estadunidense sobre nosso país. Por isso, dizemos que se trata de uma ditadura cívico-militar, pois foi uma ditadura dos grandes empresários, banqueiros e das multinacionais.

E esse é um dos aspectos que mais se destacam aqui no estado. É total o apoio dado pelos grandes empresários, e seus meios de comunicação, à ditadura. Mesmo antes já estavam totalmente engajados nos preparativos do golpe, patrocinando uma intensa campanha em apoio a sua realização. Nisso se destacam os Jornais “O Estado”, de Florianópolis; “A noticia”, de Joinville e a “Tribuna Criciumense” (faz-se necessário lembrar que na época não existiam o DC e o Jornal de SC). No grande empresariado o apoio foi tão efetivo que em Joinville, por exemplo, o dono da poderosa fundição Tupy paralisou a produção e discursou para os funcionários, almejando comemorar o golpe. Antes, as empresas já haviam dispensado os funcionários para participar da Marcha pela Família, ainda em abril de 1964.

É interessante notar que, além da fundição, a Tupy era dona da famosa escola técnica que leva ainda o mesmo nome. Talvez por isso, dentre os primeiros presos pela ditadura na cidade, quatro eram estudantes secundaristas que, enquadrados como criminosos por protagonizarem uma campanha pela criação de uma escola pública de ensino médio, pois na cidade de Joinville não havia nenhuma instituição pública de ensino até 1963, quando conseguiram a instalação do Colégio Celso Ramos. Ao que parece, a escola particular da Tupy não gostou dessa concorrência e os militares, por meio do 4 BIM, “deram o troco”, prendendo esses perigosos subversivos.

Entramos aí em outra questão fundamental para entendermos a ditadura e desmascarar seus defensores. As prisões começaram já nos dias seguintes ao golpe. Não é verdade a fábula de que as prisões arbitrárias e as torturas seriam uma reação do regime à luta armada contra a mesma. Também é necessário deixar claro que a repressão atingiu fortemente os trabalhadores no estado. Dos presos em Santa Catarina, a maioria eram trabalhadores. Portanto, outra mentira dos militares vai por água abaixo: a de que a oposição à ditadura era obra apenas de estudantes e intelectuais. Por mais valorosa que foram as lutas dos estudantes, em especial os de Florianópolis, contra a ditadura, ela se abateu principalmente sobre as lideranças sindicais e advogados ligados ao movimento.

Foram atacados, em especial, os dois mais combativos sindicatos operários de Santa Catarina, o de mineiros, de Criciúma, e o Sindicato dos Portuários, em Itajaí, São Francisco do Sul, Imbituba e Laguna. Estes não apenas sofreram prisões sistemáticas de seus dirigentes, como também tiveram sucessivas intervenções em que as diretorias eleitas pelos trabalhadores eram tiradas dos sindicatos, pondo, em seus lugares, agentes do governo, que muitas vezes tinham treinamento especial de agentes da CIA. Assim, as diretorias de sindicatos passavam a ser compostas por agentes da repressão à serviço da polícia e da patronal. Por fim, para garantir ainda mais a submissão dos trabalhadores, recorreram a mais outro expediente contra esses sindicatos: dividiram-no. Ou seja, invés de um só representando toda a categoria, dividiram em vários, para enfraquecê-los ainda mais.

A repressão ao movimento estudantil foi particularmente forte em Florianópolis. O prédio da União Catarinense dos Estudantes foi invadido pelos militares em 1964, 1968 e 1979. Outra instituição palco da repressão na cidade foi a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professores e alunos foram presos em 1964, 1968, 1969, 1975, 1977 e 1979.

Porém, houve outros ataques impressionantes já no inicio da ditadura, período em que a direita tenta mostrar-se como sendo ainda artífice de um regime civilizado. Em Florianópolis foi a queima de livros pelos militares na Praça XV. Ali, na esquina da praça com a Rua Conselheiro Mafra, onde hoje é uma farmácia, havia uma livraria. Seus donos eram intelectuais, como o escritor Salim Miguel. Nada de especial havia nesta livraria, apenas um dos sócios era filiado ao PCB. No entanto, ela não escapou à sanha dos golpistas. Seus livros foram jogados na rua e incendiados e seus proprietários presos. Fato esse muito semelhante às práticas do nazismo/fascismo. Basta lembrar a frase que foi uma dos símbolos do nazismo " Quando ouço a palavra cultura, saco logo meu revólver".

Outro episódio aterrador foi o assassinato de Higino João Pio, Prefeito de Balneário Camboriú. Este prefeito aparentemente não deveria despertar nenhum interesse especial aos ditadores, pois foi eleito por um partido burguês normal, o PSD, que nem sequer era um partido que abrigava a esquerda, como o PTB. No entanto, por causa de sua oposição aos golpistas, tentou-se cassar seu mandato pela câmara de vereadores, não obtendo êxito. Então conseguiram de seus amigos militares que este fosse preço e torturado. Saiu direto de seu gabinete, levado pela polícia federal, para ser morto sob tortura na Escola de Aprendizes da Marinha, em Florianópolis.

Esse episodio não é chocante apenas pela brutalidade absolutamente desnecessária, que nisso lembra o caso de Vladimir Hersog. Mas também pelo silêncio e pouco conhecimento que é dado a ele em nosso próprio estado. Nesse sentido, difere do caso de Hersog, que se tornou o assassinato mais conhecido da ditadura. Isso só vem a comprovar que, no que depender da grande imprensa daqui, nada de importante contra a ditadura será averiguado.

Com o desenrolar da ditadura e a continuidade da repressão, seguia sem ocorrer aqui um único foco de guerrilha, ou mesmo alguma ação da luta armada. Mesmo assim, em novembro de 1975, é criada a “Operação Barriga Verde”. Ela foi inspirada na “Operação Bandeirantes”, de São Paulo, uma operação montada a partir do aparato policial militar e dirigida pelo sinistro delegado Sérgio Fleury. Esta operação foi responsável pelo assassinato de inúmeros lutadores e a brutal tortura de mais centenas e centenas de militantes.

Aqui não há dados disponíveis sobre a convivência financeira entre a operação Barriga Verde e os empresários. Todavia, isso não quer dizer que ela não tenha ocorrido, pois, como é de conhecimento público, não somente as operações especiais foram financiadas pela burguesia brasileira, através de grandes empresas, como Bradesco, Rede Globo etc, mas toda a ditadura em seu conjunto. Esse episódio ainda foi muito pouco estudado e os arquivos dos órgão de repressão mais importantes do estado ainda não foram abertos. Há de se perguntar, por exemplo, porque a marinha tem tanto zelo em manter em segredo os arquivos do Cenimar, que foi quem comandou a repressão no estado. O que contém esses arquivos continua sendo um mistério.

A operação Barriga Verde combateu com fúria não somente “perigosos guerrilheiros”, mas também quase imperceptíveis filiados ao PCB, pois os que militavam com frequência, assim o faziam de forma legal, na construção do MDB (atual PMDB). O Partido Comunista Brasileiro, de orientação pró-Moscou (Stalinista), teve uma política de conciliação de classes durante todo período anterior ao golpe de 64. Já não bastasse isso, ainda desmobilizava sistematicamente qualquer tentativa de impedir, por parte dos trabalhadores e da juventude, a organização contra o golpe, afirmando que deveríamos confiar nos oficiais democratas, que eles impediriam a derrubada de Jango. Essa traição do PCB lhe custou caro não somente pela forte repressão que sofreu durante a ditadura, mas também pelos inúmeros “rachas” e “quebras” de militantes como reflexo da sua politica.

No entanto, aqui no estado, e em especial em Florianópolis, eles conseguiram manter-se com um relativo peso, e por isso foram alvos da repressão durante a “Operação Barriga Verde”, que prendeu 42 de seus militantes. Após isso, o medo se instalou em todos os setores de esquerda e mesmo setores democráticos, sendo um período terrível para qualquer militante anti-ditatorial. Isso só vai se modificar com a entrada tempestuosa em cena do movimento estudantil, apoiado massivamente pela população, no famoso episódio que ficou conhecido com “A Novembrada”.

Neste episódio, a ditadura mostrou que, apesar de já estar enfraquecida, ainda queria utilizar a repressão selvagem. Cinco dos participantes do movimento foram presos e sete enquadrados na espúria “lei de segurança nacional”. No entanto, pela enorme repercussão que teve esse acontecimento depois de vários anos de ameaça, a ditadura não conseguiu condená-los devido à forte campanha na defesa dos companheiros.

Gostaríamos de terminar esse artigo dizendo que ele teve um ponto final na incrível campanha das “diretas já”, que em nosso estado e, principalmente, em Florianópolis, foi algo nunca visto antes em nossa história. Contudo, o fato de os torturadores e mandantes continuarem impunes, protegidos pela lei que os alto anistiou, faz com que essa prática de torturas continue a ser extremamente usada nas delegacias e presídios do estado. Isso se tornou amplamente conhecido, há pouco tempo atrás, no episódio de tortura em massa no presídio de São Pedro de Alcântara, sendo também uma prática cotidiana nas delegacia, atingindo, muitas vezes “suspeitos”, que, na verdade, têm como único crime a pobreza, a cor da pele (são negros em sua maioria) e o endereço: moram em favelas.

Além disso, assistimos à escalada de criminalização dos movimentos sociais, chegando ao ponto de, sob um pretexto absurdo, justificar a invasão da policia federal em nossa Universidade Federal com requintes que em tudo lembraram a ditadura, sendo, inclusive, os defensores da universidade ameaçados de serem enquadrados na mesma lei de Segurança Nacional da ditadura, que por sinal continua vigente. É essa impunidade que faz com que qualquer facistóide do aparato policial militar se sinta no direito de, como dizia o ditador Figueiredo, “prender e arrebentar”, pois a impunidade lhes dá esta garantia.

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O Portal Nacional do PSTU traz um especial sobre os anos de chumbo no Brasil e a resistência dos trabalhadores ao regime de exceção em:  ESPECIAL 50 ANOS DO GOLPE MILITAR.

Comentários

  1. O Portal do PSTU traz um especial sobre os anos de chumbo no Brasil e a resistência dos trabalhadores ao regime de exceção. Confira em: http://www.pstu.org.br/node/20511

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