Os RUMOS da Ocupação Amarildo



Para onde vão os trabalhadores da ocupação Amarildo? Com certeza é essa pergunta que aparece em muitas conversas e bate papos em Santa Catarina – e por que não – no Brasil. Nos últimos dias as reviravoltas da ocupação tomaram as capas dos principais noticiários do estado e o caso atingiu alguma abrangência nacional. As opiniões são diversas, muitas de apoio, mas, infelizmente, algumas contrárias à ocupação.

O movimento Amarildo trouxe à tona uma preocupação que atinge todos catarinenses: as famílias trabalhadoras da Grande Florianópolis não suportam mais o alto custo dos aluguéis e dos alimentos. Os gastos com moradia estão cada vez maiores e os baixos salários não dão mais conta de manter as famílias. Não fosse o bastante, o transporte coletivo é caro, ruim e privatizado. A educação e a saúde públicas são precárias. A dita “ilha da magia” e o “sul maravilha” só existem para os ricos.

O movimento Amarildo ganhou importante força e rapidamente mostrou que é possível construir uma cidade bem diferente, uma Florianópolis para os trabalhadores. Enfrentando corajosamente a burguesia local, interessada no terreno ocupado e em tantas outras áreas, desafiou também as instituições do estado (justiça, governo, parlamento) e a grande mídia, cães de guarda dos interesses privados dos mais
ricos empresários do estado.

Preocupados somente com seus lucros e suas fortunas, a burguesia não hesitou em usar seus jornais para atacar da maneira mais covarde possível o movimento da ocupação. O objetivo deles é um só: apontar suas armas a todos que lutam por qualquer direito, mesmo que seja o mais elementar de todos, como o direito à uma moradia digna.

O movimento mostrou o quanto é importante discutir a questão racial em nossa cidade. A maioria dos que lá estiveram são negras e negros, que além de serem explorados com os piores empregos e salários, ainda sofrem com o racismo cotidianamente, sendo as principais vítimas de violência do estado. Não por um acaso, os dois símbolos do movimento, o ajudante de pedreiro Amarildo de Souza e a faxineira Cláudia da Silva, eram negros, pobres e foram mortos pela violência policial.

Esse movimento também foi fundamental por mostrar mais uma vez, na prática, o quanto a organização sindical e popular de nosso país precisa se renovar e se reorganizar. A ocupação Amarildo de Souza passou por fora das direções do MST e da CUT, algo impensável antes do PT ascender à presidência da República, o que mostra o quanto essas organizações vêm se afastando cada vez mais dos reais interesses dos trabalhadores.


Caminhos e Descaminhos do Movimento

A desocupação do terreno da rodovia da SC-401, ocorrida em 15 de abril, e principalmente a saída dos companheiros do terreno que ocuparam no Rio Vermelho, em 21 de abril, foi um enorme golpe nas
expectativas de todos os lutadores e das lutadoras de nossa região, assim como, uma derrota importante para todos os trabalhadores que pretendem lutar pelo direito de terem um lugar para morar.

Não somente o fato de terem sido desocupados, mas também como se deu a saída. A aparência de  serem expulsos dali por também trabalhadores, moradores nessa região, causou esse mal estar. Esse fato deve ser bem compreendido por nós para não causar desmoralização e desânimo. Não foram poucos que saíram a falar mal dos próprios trabalhadores dessa região por esse triste espetáculo.

Existem fortes indícios de que na desocupação das famílias no Rio Vermelho havia pessoas infiltradas pelo Costão Golfe e outros setores empresariais. Não por acaso, durante a retirada, funcionários uniformizados do Costão Golfe faziam a limpeza do terreno que é da União. Até mesmo a presença de policiais à paisana incentivando o enfrentamento não é descartado, já que historicamente esta é uma prática comum para desestabilizar e desorganizar as lutas.

Portanto, não temos dúvida de que esses moradores foram, de alguma forma, incentivados para agirem com violência contra os Amarildos. Mas também não podemos “tapar o sol com a peneira”. Precisamos encarar de frente os motivos que levaram a isso. Como um setor da população é ganho para agir ou apoiar a ação direta contra uma ocupação que reúne outros trabalhadores? Temos que fazer uma séria e sincera avaliação de como foi o movimento até agora. Só assim podemos superar esse momento difícil e fazer com que a luta retome com toda força.


Uma ocupação legítima

Queremos abrir um franco diálogo com as trabalhadoras e trabalhadores que são contrários à ocupação Amarildo. Nós discordamos desta posição. Somos um partido composto por trabalhadores. Todos nós sabemos o peso que é o preço do aluguel na nossa cidade e quanto custa o sonho da casa própria. Sabemos que todos aqueles que trabalham valorizam cada gota de suor para conseguir um lar digno. Por isso mesmo acreditamos que a luta por moradia é mais do que justa. Muitos trabalhadores precarizados irão trabalhar a vida toda e nunca conseguirão um lugar digno para morar. É preciso que os governos garantam moradia para todos aqueles que não podem pagar alugueis exorbitantes ou comprar um casa.

Em nenhum momento a ocupação Amarildo procurou terras de trabalhadores. As terras que ocuparam eram da União, griladas por um empresário milionário de Santa Catarina. Estes empresários, que “possuem” grandes propriedades, deixam suas terras improdutivas e vazias com um único objetivo: a especulação imobiliária. Ou seja, deixam sem nenhum uso social só para que se valorizem mais e mais e depois possam ser vendidas por um lucro maior, aumentando ainda mais suas fortunas. Essa mesma especulação imobiliária faz com que cada vez mais seja difícil adquirir um terreno na Ilha e os aluguéis subam absurdamente a cada ano, expulsando os trabalhadores para lugares cada vez mais distantes.

Os responsáveis  pela especulação imobiliária são os mesmos que atacam os Amarildos e as Cláudias. Hoje eles tentam a toda custa nos separar. Tentam isso por que a mesma luta contra os altíssimos preços da moradia no nosso estado e no nosso país é a mesma luta da ocupação Amarildo. Separados, nós, trabalhadores, continuamos ou sem moradia ou penando para pagar preços altíssimos em alugueis ou prestações. Juntos, apoiando a ocupação Amarildo, lutando contra a especulação imobiliária, somos mais fortes e podemos conquistar o direito à moradia.


A justiça tem lado: o lado dos ricos e poderosos!

Desde de o início das negociações sobre a posse do terreno ocupado ficou clara uma lição antiga: a justiça tem lado, e é a dos ricos e poderosos. Mesmo aceitando que as famílias ficassem mais alguns
dias, determinaram a desocupação do terreno e declaram várias vezes que usariam a força o quanto fosse necessário. Até mesmo o INCRA e outras instituições, que de alguma forma pareciam favoráveis ao trabalhadores, não titubearam em ficar a favor da desocupação e contra as famílias em um projeto de reforma urbana popular.

Acreditamos que todos devem usar das conquistas democráticas arrancadas do estado para ajudar a consolidar as lutas, seja para legalizar uma greve, impedir o corte de salários dos trabalhadores em luta, ou exigindo que se coloquem a favor da reforma agrária e urbana. Inclusive, é muito importante que os movimentos sociais contem com a ajuda de advogados experientes e competentes para assessorá-los. Não existe nada de errado em se utilizar das conquistas da classe trabalhadora expressas na legalidade burguesa para tentar obter avanços e garantias, por mínimos que possam ser.

Porém, não devemos, em nenhum momento, confiar nessas soluções. Novamente: a justiça tem lado, e não é o nosso. As ferramentas que utilizamos na justiça burguesa são são ferramentas auxiliares e não o centro de nossa luta. Nosso maior poder é político e não legal. Juntos, em luta, os trabalhadores podem conseguir direitos que jamais conseguiriam nos tribunais.

Acreditamos que uma confiança exagerada na justiça burguesa tenha sido um dos principais motivos para a turbulência que a ocupação passou nos últimos dias. Apesar de garantir que o acordo com a justiça iria ser cumprido, os trabalhadores ainda não tinham certeza de para onde iriam e se deveriam ou não resistir à ação de desocupação.

A principal “arma” da ocupação Amarildo são as suas famílias e seus apoiadores. Portanto, acreditamos que era necessário aumentar o diálogo com a população, explicando os motivos justos da ocupação e ganhando mais e mais o apoio popular. Assim como também aumentar a rede de apoio, que nada mais é do que outras categorias de trabalhadores organizados que poderiam se unir na defesa do movimento. São diversas categorias da cidade que estão sob a mira do governo e dos empresários. A solidariedade e união de todos lutadores, junto com a resistência das famílias, é uma poderosa arma que temos à disposição, e que não devemos titubear em usar.

Problemas e erros na condução de movimentos sociais são naturais. Para citar um exemplo, os companheiros que dirigiram a famosa ocupação do Pinheirinho, em São José do Campos-SP, mesmo depois de vários anos a frente dessa ocupação, cometeram erros graves na desocupação, pois acreditaram que a polícia cumpriria a ordem acordada. A coordenação do Pinheirinho soube se autoavaliar e aprender a principal lição, de não confiar na justiça porque a burguesia e seu estado passam por cima de qualquer decisão judicial quando querem. Hoje, finalmente, estão se construindo casas populares para os antigos moradores da ocupação.


Exigir de Dilma as terras da SC-401

Os movimentos de trabalhadores e o movimento popular devem se unir nas lutas por seus direitos e pelo direito a cidade. Devemos ter muito claro quem são nossos adversários para que possamos ter vitórias. Os empresários, patrões e governos são os responsáveis pelos trabalhadores terem cada vez menos condições de uma vida digna, pelo aumento geral de preços, pela falta de emprego, pela atual condição dos transportes, educação e saúde.

É urgente que façamos uma grande campanha para que a presidenta Dilma e o PT utilizem o terreno da união em favor das famílias de trabalhadores que precisam de moradia popular. O governo federal – assim como os governo de Colombo e César – está comprometido com os empresários e as grandes construtoras e empreiteiras. Isso não pode ser assim, a cidade tem que ser dos trabalhadores.

É possível reverter a derrota política da desocupação. Precisamos dialogar com a população e realizar assembleias, atos, manifestações em favor das famílias, pela construção de casas populares.


Lutar não é crime!

Hoje, há uma tentativa dos governos e dos grandes empresários, junto com a mídia, de criminalizar as famílias, organizações e lideranças que participaram da ocupação Amarildo. Essa tentativa não é isolada, existe hoje em todo o país um aumento significativo da repressão e da criminalização das lutas e também da pobreza. Qualquer um que ligue a TV na hora do jornal, pode observar que são diversos casos de ofensivas brutais contra comunidades da periferia e favelas.

Além disso, desde junho, quando iniciaram grandes manifestações de rua contra os principais problemas das grandes cidades, os governos vem numa política de criminalizar todas as pessoas e organizações que lutam por direitos. Vários ativistas foram presos e agredidos, inclusive jornalistas, inquéritos fraudulentos contra manifestantes, policias a paisana “plantando” provas nas mochilas. São inúmeros os relatos de desrespeitos a direitos básicos nas prisões arbitrárias e o impedimento da atuação de advogados.

Nós, do PSTU, somos contrários a qualquer criminalização e vamos lutar lado a lado para que nenhum dos participantes ou apoiadores seja enquadrado por algum crime que não cometeu. Lutar por uma vida digna não é crime! Lutar por moradia não é crime!

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