As lições que aprendemos com o debate da bolsa permanência e a democracia na UFSC
Rafael Celeste, juventude do PSTU
As esperanças de mudanças apresentam que muito do que era esperado se transforma em ilusão. E a realidade comprova cada vez mais que é fundamental que o movimento estudantil mantenha independência política e não sustente nenhuma ilusão que atual gestão da reitoria é ou será progressiva. Pois é justamente essa realidade que nos mostrou que a prioridade na universidade não é o estudante, e o exemplo categórico é a dificuldade que os estudantes têm para garantir as condições de permanência conquistadas com muita luta no passado.
I - Bolsa Permanência
Em sessão ordinária, nessa manhã (27), o Conselho Universitário (CUn) da UFSC votou a “proposta de revisão da Resolução Normativa nº 015/CUn, de 18 de outubro de 2007, que criou o ‘Programa Bolsa Permanência’ para os alunos dos Cursos de Graduação da Universidade Federal de Santa Catarina e estabelece as normas de seu funcionamento”. Essa proposta foi necessária porque o Ministério da Educação (MEC) criou um programa nacional de assistência, que tem o mesmo nome: “Programa Bolsa Permanência”, a Portaria nº 389. E a partir dessa manhã a bolsa concedida pela UFSC terá o nome de Bolsa Estudantil UFSC.
O programa do MEC vem com algumas particularidades que limitam a participação da grande maioria dos estudantes das IFES. A começar pelo artigo 5º, inciso II, que coloca como critério “estar matriculado em cursos de graduação com carga horária média superior ou igual a 5 (cinco) horas diárias”. Na UFSC isso representa o número aproximado de 10 cursos, ou seja, em torno de 110 estudantes que necessitam do auxílio para permanecer na graduação. No mesmo artigo, inciso III, adverte que o estudante beneficiado não poderá “ultrapassar dois semestres do tempo regulamentar do curso de graduação em que estiver matriculado para se diplomar”, assim, o MEC transforma uma diferença entre bolsistas e não bolsistas em desigualdade, pois só não bolsistas terão o direito de usar o tempo máximo de integralização curricular.
Em decorrência do programa federal, a bolsa fornecida pela UFSC teria que mudar. A bolsa do MEC veio com um avanço, conquista histórica do movimento estudantil nacional, que é o fim da contrapartida laboral. E esse avanço foi repassado para a bolsa da UFSC, mas depois de muitos anos de disputa política dos estudantes contra um setor hegemônico nas estruturas de poder da universidade que se beneficiava com a força de trabalho dos estudantes, seja para trabalhos administrativos ou acadêmicos. Há que ser dito que esse setor é dirigido pelos professores e diretores de centros, que muitos demonstraram desrespeito aos estudantes e falta de conhecimento sobre a própria estrutura da universidade no debate do CUn hoje de manhã.
A Bolsa Estudantil UFSC foi aprovada depois de muita disputa política em torno de pautas importantíssimas. Conseguimos avançar em muitas questões, e isso é um reflexo da capacidade de mobilização dos estudantes, que passaram em sala, fizeram reuniões e marcaram presença no CUn. Infelizmente, em muitas ocasiões nos encontrávamos sem um DCE ativo, que articulasse o processo e vacilante diante da reitoria. Os debates foram longos e exaustivos, com destaque para aliança dos estudantes com os trabalhadores técnicos administrativos que foi possível nesse espaço marcado pelo conservadorismo. Diante de uma conjuntura difícil para os estudantes, também foram aprovados retrocessos ao programa local.
Foram debatidas quatro questões principais: 1) a questão do período que o estudante poderá receber o auxílio, colocando como proposta inicial a mesma do MEC de dois semestres após o período de integralização curricular regular. A proposta que passou é diferente, mas mesmo assim é uma limitação e diferenciação entre estudantes bolsistas e não bolsistas. Agora, com o novo programa, o estudante terá como tempo limite a média aritmética entre o tempo regular e tempo máximo de integralização curricular do curso; 2) sobre o reajuste e o número de bolsas: o reajuste acontecerá anualmente, no mês de março, conforme o índice de inflação e o número de bolsas em hipótese alguma pode ser reduzido. Em outra proposta, defendia-se que não deveria haver um critério de reajuste e que isso deveria ser avaliado todos os anos pelo CUn, assim como o número de bolsas fornecidas; 3) sobre os critérios de renovação da bolsa, a proposta que passou ainda representa a concepção de uma universidade conservadora e positivista, mantendo o mecanismo de controle da Frequência Insuficiente (FI) como desqualificadora; 4) sobre o teto de 1,5 salário mínimo: seguindo a orientação do MEC, mas com um atropelo, a proposta tinha como limitação esse teto, mas diferente da proposta do MEC, a da UFSC não era per capita. Com a força do movimento estudantil, conseguimos suprimir essa limitação.
Os avanços estão na garantia de uma bolsa disputada politicamente pelos estudantes, com a aliança dos trabalhadores e alguns professores, que proporcionará uma mudança significativa na universidade. Com o fim da contrapartida muitos estudantes que são utilizados como servidores ou para fazer pesquisas para professores não precisarão se submeter a essa exploração. Garantimos também a impossibilidade de redução do valor e seu respectivo aumento com o reajuste inflacionário, assim como a impossibilidade de redução do número de bolsas. No entanto, permanecem questões relevantes, como a limitação de integralização curricular e o FI como desqualificador dos candidatos as bolsas.
II - Democracia, Conselho Universitário e Fóruns consultivos
Nessas últimas semanas tivemos a oportunidade de conhecer mais a estrutura da universidade, os espaços de decisão e os atores envolvidos. E uma conclusão inicial que podemos colocar no início desse debate é que esses espaços não são democráticos. O debate sobre a democracia na universidade é fundamental para entender para que e/ou quem a universidade serve. Exemplos não faltam de como a estrutura da UFSC é articulada para manter uma espécie de bonapartismo sui generis, onde coexistem seus excessos de autoritarismo e uma política compensatória para manter um setor que apoiara a reitoria em momento de crise.
Comecemos pela estrutura física do Conselho Universitário, com um espaço limitado para participação popular e de portas fechadas a comunidade universitária. Em casos esporádicos, de pressão de alguma categoria da universidade, o CUn abre as portas, mas o direito à fala se limita aos conselheiros, que na maioria desconhecemos o caráter lícito da participação dessas pessoas que decidirão sobre o nosso futuro acadêmico, e contamos com uma participação reduzida e desproporcional de estudantes e técnicos administrativos. Um exemplo do caráter de licitude é a conselheira da sociedade civil, que é a FECOMÉRCIO, que define os seus propósitos assim: “A Federação tem o propósito de unir, orientar, defender e representar as atividades e categorias econômicas do empresariado catarinense, fortalecendo o setor terciário. Além de congregar os sindicatos patronais, que agem nas esferas regionais e municipais”. Percebe-se então a quem a FECOMÉRCIO estará a serviço dentro do CUn.
Roselane e Lúcia foram eleitas com a plataforma de ampliação da democracia na universidade. No entanto, os fóruns que aconteceram no início da gestão foram consultivos e com pouca participação, inclusive pela confusão que se instaurou: afinal, se é consultivo, para que servirá? E em uma tentativa renovada de tentar ampliar o debate, a reitoria esta divulgando a realização de quatro fóruns consultivos a partir do dia 2 de setembro, com debates sobre segurança, orçamento, ingresso e permanência e cultura. Porém, nos perguntamos novamente, se é consultivo, para que servirá? Essa questão é fundamental, pois se refere diretamente a participação da comunidade universitária, que não terá efetivamente o poder de decisão desses espaços, e isso significa que qualquer medida de mudança terá que passar pelo CUn.
Longe do que foi prometido durante as eleições para a reitoria “a UFSC que queremos” esta longe inclusive do projeto abstrato de uma universidade democrática. A memória é um fator político, então relembremos o que foi dito pela chapa da atual gestão:
“queremos que nossa a chapa seja vitoriosa nesta disputa para termos a oportunidade de implantar novas práticas administrativas e políticas, que considerem a ética da solidariedade e da promoção da cidadania com base no diálogo e na transparência, que considerem a condição humana de sua comunidade. Somos pela implantação de um modelo de gestão descentralizado e participativo com a criação de mecanismos democráticos para a constituição de projetos institucionais”.
Diante dessas intenções durante as eleições questionamos quais são esses mecanismos democráticos? Se se refere aos fóruns consultivos, por que não fazer fóruns deliberativos, com força de decisão da comunidade universitária? Se se refere aos espaços de decisão da universidade, por que não fazer reuniões de portas abertas e com paridade nas representações das três categorias? Acreditamos que a atual gestão, mesmo no período eleitoral, não pensou dessa forma, por isso nunca nos iludimos com essa reitoria. A estrutura da universidade hoje não serve para solucionar as questões nacionais, se a Roselane não rompe com essa estrutura, manterá a universidade a serviço de uma minoria, demonstrando que a gestão progressiva só existe na ilusão de quem insiste em repetir essa mentira.
III - É preciso avançar mais, muito mais.
Na atual conjuntura nacional, que a juventude ocupa as ruas, não é aceitável que as políticas de permanências estudantis retrocedam. Em um momento especial, que se questiona as representações políticas, não é possível que manteremos a arcaica estrutura de decisão da universidade. E é justamente por isso que não podemos ter confiança naqueles que insistem em nos tirar direitos. É o momento de ter total confiança em nossas forças, na capacidade de mobilização dos estudantes e nos espaços democráticos de participação estudantil que construímos. Porém, percebemos a falta de uma entidade mais presente, que articule e organize os estudantes, porque a atual gestão do DCE, Novos Rumos, tem demonstrado uma atuação vacilante, mais preocupada em sentar com os diretores de centros, como o maior atrito com os estudantes no momento, Felício, diretor do CCE. E não poderia ser diferente, porque a gestão do DCE é parte da direção da falida União Nacional dos Estudantes – UNE.
Precisamos usar os mecanismos de organização estudantil, como o CEB, espaço que os Centros Acadêmicos têm participação ativa. Mas é necessário ir além, precisamos de uma Assembleia Geral dos Estudantes da UFSC. É fundamental um espaço que leve ao conjunto dos estudantes os ataques que sofremos no interior do campus, como a demora nas licitações dos “Xerox”, a segurança do campus, democracia na universidade e as questões de permanência, o debate da Bolsa Estudantil UFSC, Auxílio Creche, Moradia Estudantil, RU, BU etc. E a Assembléia Estudantil é o espaço necessário para avançarmos na nossa capacidade de organização, nas conquistas de mais direitos e na disputa por uma universidade que solucione os grandes problemas nacionais.
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