Este mar não está para peixes

Jóe José Dias e Gilmar Salgado


Terminou a temporada de veraneio na grande Florianópolis. Milhares de turistas, como em todos os anos, visitaram as belas praias de nosso litoral. Contudo, a despeito de toda a beleza natural de nossa cidade, vive-se uma realidade bastante diferente de todos nossos cartões-postais: a precariedade em nosso saneamento básico.

Em estudo realizado pelo instituto TRATA BRASIL nas 100 maiores cidades brasileiras, constatou-se que, apesar da relativa melhora que tiveram cidades como Florianópolis e Blumenau, estamos ainda longe de índices aceitáveis de tratamento de água e esgoto não somente na região metropolitana, mas em todo o estado. Referido estudo apontou, por exemplo, que atualmente Florianópolis conta com apenas 56% de toda sua rede de esgoto tratada, enquanto Blumenau e Joinville, cidades onde este serviço já é privatizado, contam com apenas 30% e 31% respectivamente, sendo que a maior cidade do estado piorou seu desempenho de 2012 para cá.

Esta situação é alarmante em Santa Catarina, que, mesmo sendo um dos estados mais ricos do país, ocupa atualmente a 19a posição dentre todos os estados brasileiros, com apenas 21% de sua rede de esgoto tratada.


Há uma saída?

Não é de hoje que a sociedade civil busca alternativas para a questão do saneamento básico em nossa cidade e também no estado. Vários projetos apresentados neste percurso, com destaques para dois: um encabeçado pela prefeitura e pela diretoria da Casan, que visa o transporte de esgoto e resíduos sólidos para duas regiões da cidade: os Ingleses e o Campeche, e outro descentralizado, encabeçado pelo grosso da sociedade e por técnicos das áreas de saneamento e gestão ambiental, denominado Mosal, Movimento Saneamento Alternativo.

O Mosal nasceu com a proposta de contrapor-se aos planos da PMF-Casan de implantar o saneamento centralizado com emissários na ilha. Isso porque este projeto, longe de resolver os problemas de saneamento básico da cidade, irá agravá-los, pois simplesmente transportará estes resíduos para duas grandes bacias da cidade, lançando, por meio de emissários submarinos, toneladas de esgoto nas bacias dos Ingleses e do Campeche.

Invés de tratar e solucionar o problema, o que a prefeitura, juntamente com a diretoria da Casan, pretendem é “tirar o esgoto daqui e jogá-lo para lá”, sem nem mesmo se preocuparem em tratá-lo e/ou reaproveitá-lo adequadamente. E isso tudo desrespeitando o anseio das pessoas que aqui vivem e das organizações de bairros e sociais. Em suma, o que pretende com este projeto é beneficiar alguns empresários do setor, como a empresa japonesa Jaica, que investirá alguns milhões neste projeto, bem como seus acionistas (preocupados que estão somente com o lucro rápido e fácil), em detrimento de toda a população e da cidade.

Este modelo centralizado já foi implantado em outras cidades litorâneas brasileiras, como o Rio de Janeiro, por exemplo, onde boa parte dos detritos são lançados ao mar, na praia da Ipanema. O resultado ambiental desta prática é desastroso, pois a vida marinha simplesmente deixou de existir a um raio de 10 km em torno dos emissários submarinos. Pensemos isso em regiões como os Ingleses, onde há uma importante e tradicional colônia de pescadores, além do turismo, e no Campeche, onde encontra-se uma importante área ecológica e cultural, como a Ilha do Campeche, e entenderemos a gravidade do problema.

Acreditamos em um modelo descentralizado do tratamento de esgoto, isto é, tratar o esgoto doméstico localmente, ou próximo do local onde foi produzido, respeitando as micro bacias e fazendo uso de diversas alternativas tecnológicas como tanque séptico, zona de raízes, biofiltro, tanque de Evapotranspiração e filtros anaeróbicos, dentre outros. O modelo descentralizado contrapõe-se ao modelo centralizado, proposto pela prefeitura, evitando os enormes impactos ambientais causados pelas grandes estações de tratamento de esgoto com emissários. Mas como este modelo não proporciona lucros para as grandes empreiteiras é relegado.


O Saneamento básico na mira da privatização

É conhecido por todos os escandalosos casos de corrupção nos processos de municipalização ocorridos em cidades que romperam o contrato com a Casan. Os mais divulgados foram dos municípios de Palhoça e, mais recentemente, Lages. Na cidade de Palhoça, o Ministério Público e o Gaeco (Grupo Especial de Repressão ao crime Organizado) prenderam os envolvidos no “nefasto esquema de corrupção”, conforme declarou ao jornal a juíza Carolina Ranzolin. Na ocasião Carlos Alberto Fernandes, ex-funcionário da Casan, seu filho Caco, do PSDB, e Luiz Fernando Silva, dono da empresa Raiz Soluções Inteligentes foram presos preventivamente. Segundo a Juíza, um total de R$ 280 mil foi pago como propina pela manutenção do contrato.

No caso de Lages, o sistema foi privatizado no ano de 2003 pelo atual governador
e ex-prefeito, João Raimundo Colombo, na operação denominada “Águas Limpas”. O Gaeco e o MP-SC prendeu o então Prefeito de Lages Eliseu Mattos (PMDB). Em dezembro de 2014, o MP-SC denunciou o prefeito e mais nove pessoas por crimes como corrupção, organização criminosa e fraude em licitação. De acordo com a subprocuradora geral de Justiça, Walkyria Danielski, o Prefeito Mattos recebeu R$ 2,8 milhões em propinas da Viaplan, empresa que operava o sistema privatizado de água e esgoto, desde fevereiro de 2013 — o total de pagamentos de propina, incluindo outros servidores municipais, alcançou R$ 3,6 milhões entre os anos e 2013 e 2014.

Não é de hoje que esquemas de corrupção como este estão intimamente ligados às privatizações. Pelo contrário: corrupção e privatização sempre andaram de mãos dadas. Basta para isso vermos os recentes escândalos de corrupção desmascarados na Petrobras: enquanto a empresa não é completamente privatizada, setores da burguesia se favorecem não somente do desvio de dinheiro público, mas também se beneficiam de acordos espúrios e de cobrança de propinas através de contratos fraudulentos.

Seguindo esta ótica, dos últimos governos de Santa Catarina (Luiz Henrique e Raimundo Colombo PMDB – PSD) privilegiaram a política de passar a responsabilidade do saneamento básico para as cidades (a chamada municipalização), ciente da impossibilidade de os municípios manterem este serviço, que deveria ser estatal, público e universal. Essa política vem “incentivando” a privatização e, com ela, a corrupção. E com esta política a Casan vem sendo desmantelada, infelizmente.


Em defesa da Casan 100% Estatal e Pública

De acordo com dados divulgados no balanço de 2014, a Casan lucrou R$ 74,737 milhões, praticamente 80% a mais que o ano anterior. A diretoria da Casan está animada com os resultados da companhia. A receita líquida de vendas do ano passado ficou em R$ 744,696, com crescimento de 12,8% frente à de 2013, que atingiu R$ 659,952. Desde o ano passado, a empresa realiza uma série de investimentos com recursos de empréstimos obtidos no Brasil (por meio do PAC) e exterior (pela japonesa Jaica). Na verdade, a maior parte dos investimentos mencionados, que estão sendo aplicados no saneamento em nosso Estado, são oriundos de empréstimos bancários com cobranças de juros, que serão quitados com o pagamento das tarifas pagas pela população, quando, na verdade, a luta histórica dos trabalhadores do setor de saneamento é por investimentos públicos e estatais a fundo perdido, pois só assim teremos condições de universalizar o acesso ao saneamento básico a toda a população pobre de nosso estado e país.

No entanto, desde 2010, quando os deputados aprovaram o projeto do governo Colombo nº0236. 8/2011, de venda de ações da Casan, para trazer um parceiro estratégico para a administração da empresa (leia-se privatização), a direção da Casan e o governo vêm preparando as finanças e preparando a gestão da empresa para aplicar esta maldita operação. Este modelo foi o adotado pela Sabesp. Isso ocorre no momento em que o povo de São Paulo vive uma crise hídrica sem precedentes e a população está lutando para garantir um direito básico à vida, à água. A causa está nas gestões nefastas e politiqueiras, que transferem os recursos públicos para as mãos de empresas privadas. Os tucanos do PSDB, em São Paulo, privatizaram a Sabesp, que passou para os acionistas lucrarem bilhões e administrarem a empresa. Em SC, caberá aos movimentos sociais, em especial aos sindicatos combativos, o desafio de buscarem apoio junto à população, visando impedir que o governo Colombo (PSD/PMDB/PCdoB) leve adiante este nefasto projeto de privatização da água e do Saneamento em Santa Catarina.

Lamentavelmente, os trabalhadores em Saneamento de Santa Catarina, que nas décadas de 80 e 90 protagonizaram grandes lutas por direitos trabalhistas e contra as privatizações, hoje não podem mais contar com a combatividade e independência de sua direção sindical, representada pelo Sintaema. Isto vem ocorrendo desde 2002, quando o governo Lula ascendeu ao poder e a direção do Sintaema, assim como outras centenas de direções sindicais ligadas à CUT, passaram defender o governo federal em vez de lutar contra ele. No entanto, o pior ocorreu em 2014, quando a direção do PCdoB, partido dos principais dirigentes do Sintaema, decidiu se coligar com o PSD/PMDB de Colombo e Moreira, no intuito de angariar e ocupar cargos no governo. Diante disso, os trabalhadores terão que cada vez mais fortalecer a “Oposição Luta Sintaema”, para que de fato seja travado um enfrentamento consequente e independente contra as politicas de privatização e desmonte da Casan.

Defendemos uma Casan 100% pública, sob o controle dos trabalhadores, com uma gestão democrática, acabando com a gestão politiqueira, onde um número reduzido de diretores seja eleito pelos trabalhadores, tendo os seus mandato revogáveis. Defendemos também que o destino de 100% das verbas da cidade seja decidido pelos conselhos populares: organismos compostos pelas representações da classe trabalhadora que teriam, dentre outras atribuições, a função de discutir e decidir as prioridades da cidade desde o ponto de vista dos trabalhadores, votando políticas a serem implementadas.

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