A Traição do PT

Muitos petistas de primeira e segunda hora têm escrito ultimamente, buscando interpretar o que aconteceu com o partido e acontece com o segundo Governo Dilma. Dizem os governistas que, talvez, tenham cometido um ou outro engano, mas não apontam os supostos erros. Outros afirmam que o Partido dos Trabalhadores e o governo deixaram escapar a oportunidade de fazer reformas estruturais quando o país ainda crescia e Lula e Dilma desfrutavam do imenso prestígio popular decorrente de suas vitórias eleitorais.

Lula, Dilma e o PT não são tolos, nem deixaram passar o cavalo encilhado sem o montar. Nem os petistas críticos de hoje apresentaram suas críticas vigorosamente nem empurraram o partido para o rumo certo quando ainda estava em tempo.

Numa situação econômica confortável, praticamente imune à pressão de uma oposição parlamentar inepta, contando com o apoio de amplos setores do empresariado, que financiou suas campanhas milionárias, a direção do PT já tinha se preparado para governar como governou e agora está colhendo o que semeou.

O PT dos primeiro anos, que animara a militância de milhões de trabalhadores e jovens, que tinha como emblema “PT – PARTIDO SEM PATRÃO”, fixado na faixa que inspirou seus fundadores em 1980 no Colégio Sion em São Paulo, que tinha no programa a luta POR UM GOVERNO DOS TRABALHADORES, e se organizava em núcleos de intervenção nos movimentos sociais, foi mudando já ao longo dos anos 1980 e encontrou a sua feição definitiva na década seguinte. 

Então já era um partido que já se desvencilhara da moldura operária, que, originalmente, continha suas fronteiras. O governo que propagava passara a ser democrático e popular, e a organização passara a se mover conforme os diretórios registrados na Justiça Eleitoral e dirigentes mais importantes (geralmente portadores de mandato) decidiam.

Essas mudanças, certamente, foram resistidas na época, mas muitos dos contrários a elas foram obrigados a deixar o partido para a ampla maioria, que aplaudia os desvios do PT, vistos como sinais de maturidade e astúcia, indispensáveis para chegar ao poder. O PT de hoje já tinha enviesado para o curso que culminaria na sua crise atual.

Com a chegada ao Executivo Federal, o PT consolidou esses traços. O abandono da ação política independente da classe trabalhadora foi evidente: os trabalhadores, agora, deviam se entender e ceder ao empresariado e aos governos, pois seus interesses não eram mais tão contraditórios; e este entendimento com o empresariado, inclusive, devia contemplar isenções fiscais e dilapidação comum dos cofres públicos; eram bem-vindas as alianças com os partidos tradicionalmente ligados ao empresariado e aos governos anteriores, como PMDB, PP etc, que conformaram a “base aliada”; o governo passou a pressionar a CUT, sindicatos, MST, UNE e UBES “como nunca antes na história desse país”, para que se contivessem e aguardassem melhores dias para verem atendidos os seus pleitos, ou que os governos e os parlamentos concedessem as reivindicações destes movimentos sociais. Apesar da honrosa resistência de setores importantes do movimento de massas, inegavelmente a organização e o ímpeto do movimento foram detidos e aplacados.

Alguns se perguntam: se ocorresse uma mudança constitucional e a Lula fosse ofertado, imediatamente após o primeiro e o segundo, em um terceiro mandato presidencial as coisas não seriam diferentes? Certamente Lula foi um dirigente político que, além das condições favoráveis que lhe sorriram, mostrou-se muito hábil na condução do governo, nas relações com o Legislativo e o Judiciário e nas negociações com os dirigentes dos movimentos sociais. Mas o caminho escolhido pelo PT nos anos 1980 e 1990 e os fatos externos ao governo repercutiriam numa crise semelhante à vivida hoje. Prova disso é que mesmo se aconselhando com Lula, Dilma não consegue reverter o quadro sombrio de seu governo. Bem, prognosticar como seria um Governo Lula em 2018 é perda de tempo.

Por conseguinte, pode-se dizer que o grave desgaste do Governo Dilma e do
principal partido que o sustenta - e a erosão da representatividade dos partidos de um modo geral - não brotou de um equívoco, nem de dois ou três cometidos pelo PT e pelo governo. Pelo contrário, são prova de opções políticas realizadas há mais de quinze anos, quando o PT abandonou o que tinha de inovador e progressivo: sua afirmação como organização da classe operária ou explorados, contra os grande empresários e os partidos destes e a luta por um governo dos trabalhadores sem patrões. Estas escolhas foram reforçadas desde então.

Mas o que fazer hoje? Descabe cogitar reeditar um PT. Além da situação histórica não permitir (não se vive o ascenso grevista do final dos anos 1970), reeditar um partido meramente classista significaria desprezar a própria experiência daquele partido. Tem-se é que construir outro partido. Evidentemente, além da vinculação exclusiva à classe operária e aos explorados, o que implica reconhecer que os grandes empresários não podem ter assento nesta organização, o programa deve apontar um governo destes mesmos trabalhadores e explorados e seus partidos e organizações. 

Mas não basta. É preciso que os trabalhadores e a juventude compreendam que esta composição social do partido e a sua estratégia de construir um governo de uma parte da sociedade (os trabalhadores, explorados e oprimidos) contra a minoria de privilegiados, vistas na sua dinâmica própria e nos conflitos concretos que se verificarão na sociedade brasileira, conduzirá o partido a uma encruzilhada: ou ele se apega a estas características e as leva às últimas consequências ou se degenera e, seguindo os passos do PT, assemelha-se demais partidos tradicionais atuais.

A fidelidade à composição social e à estratégia de poder levará o partido de que necessitamos a lutar contra o capitalismo, pelo socialismo, à luta revolucionária pela destruição do Estado sob o qual padecemos e pela construção de um Estado totalmente diferente, que tome partido dos interesses dos trabalhadores, explorados e oprimidos, um Estado diferente, porque se baseará não mais em instituições desacreditadas, como acontece hoje, mas em novas organizações, realmente democráticas e representativas dos excluídos, nascidas do calor dessa luta revolucionária.

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