Por que Santa Catarina tem quatro times na série A?

Por Tarcísio Eberhardt e Ricardo Walter Lautert - PSTU Florianópolis

Essa pergunta tem sido frequente não apenas aqui no estado, mas também entre torcedores de todo o país.

Segundo a grande imprensa, dirigentes dos clubes de futebol e jogadores catarinenses, as explicações para o sucesso estariam na inteligência e capacidade administrativa dos seus diretores e nos investimentos na estrutura dos clubes. Nereu Martinelli, presidente do Joinville, por exemplo, declara: “Felizmente, os dirigentes de Santa Catarina têm tido a inteligência de administrar isso, um pouco do lado empresarial, onde nós misturamos aí, com certeza, 70% de razão e 30% de emoção”.

Isso explicaria porque mesmo com receitas tão modestas em relação aos grandes clubes teriam atingido esses bons resultados. Afinal, não se trata de qualquer diferença, os clubes daqui têm orçamentos que variam de 10 a 34 milhões de reais por ano. A do Corinthians, por exemplo, é dez vezes maior. Isso pede folhas de pagamento mais enxutas, sem super salários. Elas variam de R$ 680 mil a R$ 1,5 milhão por mês. O que não permite a contratação de grandes craques nacionais.

Outro fator sempre salientado é a infraestrutura dos clubes. Todos os quatro clubes investiram na construção de Centros de Treinamento. Os dois times da capital, Avaí e Figueirense, têm estádios próprios. Joinville e Chapecoense disputam suas partidas em arenas municipais, mas são os únicos a jogar nestes estádios, portanto, são como estádios próprios.

Há ainda outra visão, que atribui esse sucesso não tanto a mérito próprio dos clubes daqui, mas principalmente devido à crise pela qual passa o futebol brasileiro. Crise essa que atingiria principalmente os grandes clubes e que assim abriria espaço para clubes menores na chamada elite do futebol brasileiro.



Nossa visão

Realmente é importante o fato de os clubes serem melhores administrados e sem grandes dívidas acumuladas, como ocorre com boa parte dos grandes times nacionais, que se afundam em dívidas. Mas daí a dizer que isso se deve a algo como a inteligência administrativa das diretorias, é cair na velha retórica tão difundida pela burguesia local, de que a capacidade e o empreendedorismo do empresariado catarinense justificariam o desenvolvimento econômico e, em especial, a industrialização do estado.

Também concordamos que a crise dos grandes clubes facilita a ascensão de clubes menores, mas apenas isso não explica porque tantos que ascenderam são daqui de SC e não de estados até mais ricos, como Minas, Rio Grande do Sul ou Paraná. Ou mesmo mais clubes do Norte, Nordeste, Centro-oeste, ou, ainda, do rico interior do estado de SP.

A explicação mais profunda para isso aponta para as características históricas e econômica do estado. Santa Catarina historicamente tem uma estrutura econômica decentralizada e bastante diversificada. Ilustra bem isso, o fato de que a capital do estado sequer é a maior cidade. Outro dado significativo é que é o único estado em que a maioria dos milionários mora no interior e não na capital.

Cada região tem características econômicas diferentes, com bastante autonomia econômica entre si. A tal ponto que o próprio tamanho das chamadas “cidades pólos” pouco variam entre si. Isso gerou times que disputam por igual o campeonato regional, tornando-o um dos mais disputados do país. Ao contrário do que ocorre na maioria dos estados fora do eixo Rio-SP, em que quase sempre são dois times da capital que disputam o campeonato e só ocasionalmente ocorre de um terceiro clube vir a entrar na disputa. Aqui a disputa é bem mais nivelada, mais acirrada. Não por acaso o campeonato estadual tem um formato tão diferente do dos demais estados.

Os clubes, principalmente os do interior, são geridos por empresas da região que comandam a economia local e que investem nesses clubes, chegando, muitas vezes, a escolherem diretorias de suas confianças. Assim, garantem que seus investimentos sejam bem aplicados, garantindo o “retorno” do investimento.

Mas o que explica o fato dessa burguesia ter criado “tanto gosto” para investir nos times da região? Pois mesmo sendo empresas ligadas à produção de bens de consumo popular, os seus mercados são muito mais amplos e suas próprias regiões são pequenas e pouco significativas nas suas vendas totais. Assim, não é o mercado local que faz com que essas burguesias se motivem a investirem no futebol de sua região, mas sim sua relação com os trabalhadores locais. Ocorre que o descontentamento dos trabalhadores com essas empresas é tão grande que muitas vezes a maioria dos trabalhadores destas regiões sequer aceita trabalhar nelas ou vivem na iminência da ocorrência de grandes revoltas.

Há um grande exemplo histórico - e que foi o que iniciou essa tradição - que demonstra bem como esse esquema funciona. Em Criciúma, no final da década de 50 e inicio da de 60 do século passado, ocorriam constantes greves dos mineiros do carvão. O descontentamento explodia contra as desumanas condições de trabalho e do salário aviltantes. Nesse momento os donos das minas, tentando cooptar os trabalhadores, passam a investir nos pequenos clubes que os próprios mineiros tinham organizado. O time que nesse processo se destaca é o Metropol. Esse teve uma ascensão meteórica, tornando-se um grande clube com projeção nacional e hegemonizando o futebol catarinense da época. Assim, o clube era o fruto do investimento da burguesia do carvão para tentar apaziguar os trabalhadores. Não por acaso o símbolo deste clube era um carneirinho, animal que na tradição sindical brasileira significa o trabalhador que se submete passivamente à exploração. Também não é aleatório que o clube tenha acabado em 1969, quando a ditadura militar já estava bem consolidada e os mineiros subjugados com seus sindicatos sob intervenção da ditadura militar.

Algo parecido ocorreu nos últimos anos na região de Chapecó. O descontentamento dos trabalhadores com os frigoríficos da região (Sadia, Perdigão, Chapecó, Aurora, Seara) chegou a um ponto explosivo. De tal forma que há hoje carência de trabalhadores no setor porque todos evitam trabalhar nessas empresas. As próprias famílias de jovens trabalhadores são contra que seus filhos trabalhem nelas, pois sabem que em poucos anos eles estarão deformados pelas doenças de trabalho. São verdadeiras fábricas de mutilados e “aleijados”.

Assim, a questão da mão-de-obra se tornou um problema grande para a burguesia, situação que se repete praticamente em todo o estado. Lembrando que aqui há o menor desemprego do país e que os salários industriais estão entre os mais baixos. E como não está nos planos da burguesia dar qualquer concessão salarial ou diminuir as condições desumanas de trabalho, os grandes frigoríficos do oeste chegaram até a recorrer à mão-de-obra de trabalhadores argentinos, pois naquele momento a desvalorização do peso em relação ao real fazia com que os salários daqui valessem mais na Argentina. Recorreram também a trabalhadores indígenas das reservas existentes na região e, nos últimos anos, passaram a contratar em grande quantidade trabalhadores africanos e, especialmente, haitianos.

O marco emblemático da mudança de comportamento dos trabalhadores para com os frigoríficos se dá em 2010, quando uma oposição, depois de 22 anos sem eleição, consegue derrubar do sindicato uma diretoria diretamente controlada pelas empresas.

Assim, para tentar amenizar a revolta dos trabalhadores e para melhorar suas imagens, essas empresas recorreram à fórmula utilizada em Criciúma, e também em Joinville, no final da década 70 (época em que a oposição combativa derrubou a pelegada no sindicato dos metalúrgicos). É isso que vai justificar que esses clubes tenham uma ascensão espetacular, atingindo a série A do campeonato nacional, poucos anos depois de serem criados.

Toda a euforia que se cria nessas cidades em torno desses clubes facilita criar um clima de unidade entre a “comunidade e as empresas”, o que logicamente dificulta que os operários se “revoltem”. Ademais, elas mesmas, no final, gastam muito pouco, pois depois de um impulso inicial o clima de euforia criado em torno dos times envolve a todos nas cidades, fazendo com que a população invista pesado em seus clubes. Eles têm proporcionalmente um número muito grande de sócios. Também as prefeituras locais passam a investir fortemente em infraestrutura (construindo estádios municipais, por exemplo).

Fruto disso há o aumento do número de clubes que têm condições de disputar uma vaga para a série “A”. Além dos quatro atuais há o Criciúma, que já disputou várias edições, e o Metropolitano, que tem recebido mais atenção da poderosa burguesia de Blumenau. Essa ate agora investira em outros esportes (vôlei, basquete, futsal), mas agora parece que começa a girar também para o futebol. Assim, ao contrário do que ocorre em outros estados em que os dois times da capital disputam hegemonicamente a primazia, aqui, os dois da capital (Avaí e Figueirense), têm de enfrentar uma pesada concorrência com os times do interior. Por isso, é mais fácil termos quatro times na série A do que um sequer disputando o campeonato com chances de título.

Claro que há fatores mais diretamente ligados ao esporte em si que facilitam essa ascenção. Entre estes destacamos a existência de uma enorme massa de jogadores de futebol que perambulam pelo país, e mesmo por outros países, e que estão disponíveis para serem contratados por qualquer clube. O que vai permitir que mesmo com o estado não sendo um celeiro de novos jogadores tenha sempre disponível uma grande massa de atletas dispostos a vir jogar nos clubes daqui.

Outro fator importante, é que, pelo fato de a maioria dos torcedores daqui pouco a pouco largarem suas predileções por clubes de maior expressão, em decorrência do ascenso de nossos clubes, havia uma lacuna a ser preenchida, que se transferiu para o cenário nacional. Assim, quase todo os torcedores aqui têm um time do estado, mas também um “de fora”. Na maioria das vezes do Rio de Janeiro, mas também de São Paulo e do Rio Grande do Sul. Isso não se dá, por exemplo em SP, onde um torcedor de um grande clube, mesmo em regiões poderosas, como o ABC, dificilmente abandona seu clube anterior para se ligar a um novo time de sua cidade.

Esses fatores, contudo, não são os determinantes. Para nós, o fundamental é a infraestrutura econômica do estado e, principalmente, o desenvolvimento da luta de classes nas diversas regiões industriais que faz com que a burguesia local se empenhe no desenvolvimento desses clubes.

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Comentários

  1. PARTE 1
    Amigos Tarcício e Ricardo.
    Concordo com o argumento de que a luta dos trabalhadores influencia no futebol localmente e mundial. E também concordo que em momentos mais acirrados a burguesia traz mecanismos variados para “apaziguar” os ânimos. E um desses mecanismos é o futebol. Mas penso que essa ascensão maior do futebol catarinense a Série A não seja definido por isso. Na minha opinião a questão preponderante é a crise no futebol brasileiro. Essa não é pelos 7 a 1 (Brasil x Alemanha, Copa do Mundo 2014), mas pela não renovação do futebol brasileiro. Não falo pela seleção brasileira frente a outras como Alemanha, Espanha, Holanda, França..., mas o futebol no Brasil.
    Nos anos de 1980 começou no país um processo que marcaria o início de uma decadência: a “exportação” (coloco entre aspas propositalmente para fazer uma reflexão de jogador/ser humano com jogador/mercadoria) de fato de jogadores para o exterior. Lembrem-se de Falcão, Sócrates, Junior, Casagrande...? Dos anos de 1989 até hoje não foram só grandes craques a irem para o exterior. Esse movimento começou a ser de jovens talentos, talentos precoces, precoces promessas. Todos indo para a Europa, principalmente, vislumbrado pelos pais e crianças como a garantia de sucesso financeiro. A exceção seria Neymar, que se criou no Santos e ficou até aos últimos suspiros de possibilidades do futebol brasileiro para ele.
    Agora leitor e leitora você pode perguntar: qual a importância fundamental de jogadores não serem formados e jogarem aqui para o nosso futebol? A resposta pode parecer simples: É que o futebol é feito por seres humanos! A mão de obra do futebol são pessoas, os jogadores, e por mais que a tecnologia se desenvolva nos mais variados aspectos, são eles que constituirão o futebol. Posso fazer uma primeira analogia: numa fábrica a mão de obra essencial é o ser humano, mas a tecnologia em vários processos da produção substitui pessoas, compare o processo de produção das montadoras de automóveis na metade do século XX com o final. Se o elemento principal, em sua maioria de qualidade, não mais é constituído no seu local de gênese, não mais é formado no seu local de gênese, a tendência é que o local de gênese entre em decadência. Ou seja, se a essência do futebol, o jogador, não está mais aqui (digo em relação ao jogador de qualidade) o nosso futebol perde em qualidade. Antes os grandes clubes por seu poder financeiro tinham capacidade de suprir essa necessidade trazendo para eles jovens jogadores dos mais diversos lugares. Agora não conseguem mais, assim ficou tudo mais nivelado. E esse é um dos fatores para a crise no futebol brasileiro.
    Outro elemento que se soma a isso é a grande arquitetura de corrupção e falcatruas que perdura aqui, pelo menos, desde a década de 1970. O “sistema” de cartolagem no Brasil é um câncer que está matando o nosso futebol, e seus sintomas mais graves aparecem agora. Não digo que isso não exista no futebol mundial, a Rússia é um dos grandes exemplos, aqui nos toca mais que os europeus porque aqui não há resistência. Sim, a corrupção no futebol é mundial e atinge o excelentíssimo futebol europeu, a diferença que lá há resistência, mesmo que seja uma resistência institucional pelo poder. É correto quando Beckenbauer disse que “o problema não é Blatter, mas o sistema”. Só que quando Platini e Figo se mostram como opositores a Blatter, é uma resistência ao comando, e sendo assim o comando tem que ser mais prudencioso em suas ações e fazer concessões. Algo que não acontece no Brasil. Se aqui o Sócrates, ou o Raí, ou outros ex-jogadores, ou o Bom Senso de fato fizessem uma oposição, concreta e consistente aos mandatários da CBF, estaríamos em outra situação.
    (CONTINUA)

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  2. PARTE 2
    Essa crise amigo leitor e leitora, não é pequena. Veja a tabela do campeonato brasileiro desse ano (em 06/06/2015): 1º Atlético MG (13 pontos), 2º Atlético PR (12 pontos), 3º Ponte Preta (12 pontos), 4º Sport (11 pontos), mas sabendo que Atlético PR e Sport têm um jogo a menos que os demais. Seguindo a lógica do argumento principal do artigo do blog, vem a pergunta: Será que em Curitiba, Campinas e Recife estão em processos de lutas marcantes dos trabalhadores? E observando os argumentos do blog: é necessário analisar melhor os seus dados da década de 1970 e o futebol catarinense. Afirmam os amigos que no final de 70 os times catarinenses também tiveram essa ascensão pelo acirramento da luta de classes. Novamente eu não tirarei esse elemento do processo histórico, mas alguns dados não podem passar em branco: no campeonato brasileiro da série A de 1976 a 78 tinham 60 times, em 1979 eram 80 times e de 1980 a 1983 foram 40 times (fonte: http://futpedia.globo.com/). Ou seja, muito mais dos que os 20 atuais. No período em questão participaram da Série A times como: Anapolina (GO), Flamengo do Piauí (PI), Nacional (AM), Flu de Feira (BA), Operário (MS), Fast (AM), Mixto (MT). Dessa forma só a luta dos trabalhadores catarinenses nesse período não justifica o argumento apontado. E outro fator apontado pelo blog é mais passível de questionamento. Os companheiros apontam que nas cidades dos times que estão na Série A, são cidades em que os trabalhadores estão em grandes lutas contra sua burguesia industrial local, mas esquecem de dizer que são as cidades de Chapecó e Joinville, que possuem uma grande concentração de indústrias. O que não ocorre com a cidade sede de Avaí e Figueirense, ambos na Série A. Os seus patrocinadores diretos não têm trabalhadores daqui e a cidade não vive essa luta acirrada de classe apontada pelos autores. Florianópolis é uma cidade turística (trabalhadores comerciários, e de servidores públicos), a elite local não tem necessidade direta de apaziguar a luta de classes através do futebol, pois aqui, os trabalhadores são avaianos e figueirenses, mas também, muitos colorados, gremistas, vascaínos, flamenguistas, corinthianos, palmeirenses ...
    O que vivemos hoje é fruto da crise brasileira do seu futebol, não separada do capitalismo que manda e desmanda com seus milhares de euros e dólares em jogadores, dirigentes e clubes.
    Por último, deixo como questionamento aberto (aberto porque eu mesmo não fui buscar a resposta) como incentivo ao nosso debate amigo Tarcísio e amigo Ricardo: Porque o Criciúma foi campeão da Copa do Brasil em de 1991 e se manteve na série A do brasileirão pela década de 1990? Porque o Figueirense foi vice-campeão da Copa do Brasil em 2007? Porque o São Caetano foi vice-campeâo brasileiro em 2000 e também vice na libertadores de 2002?
    Abraços Tarcísio e Ricardo.

    Richard José do Nascimento

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  3. boa análise, mas é bom lembrar também que esses empresários entram no clube para ter lucro também, futebol mesmo na serie C dá lucro sim, venda de jogadores que se destacam, público pagante, etc. Os empresários não entrariam numa barca furada, eles ganham muito dinheiro sim com os nossos clubes de Santa Catarina.
    Rogério

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