A dominação burguesa no Brasil da Nova República

Diogo Leal Pauletto

Este é um artigo baseado na exploração de uma hipótese sobre a relação entre as duas principais classes sociais no Brasil, a consolidação do atual regime democrático (Nova República) como ferramenta de dominação burguesa e suas fragilidades e limites no marco da luta de classes (classes war). E expor essa hipótese à crítica.

Crise da dominação é um termo encontrado na obra “Revolução e Contrarrevolução na Alemanha”, quando Trotsky caracteriza a situação da luta de classes na neste país. Trotsky diz que “a crise política da classe dominante e de seu sistema de governo (…) não é uma crise do parlamentarismo, mas uma crise da dominação de classe”1. Este é um exemplo da década de 1930 na Alemanha. Estou entendendo uma “crise da dominação” como sendo o momento em que a burguesia está perdendo ou já perdeu o domínio sobre os trabalhadores exercido através de uma determinada forma de dominação (regime político) e não sabe ou não consegue ainda dar uma saída para isso. É possível que a solução dessa crise para a classe dominante não passe necessariamente por uma mudança de regime (como de ditadura para democracia, por exemplo) mas também por “ajustes” que reforçam determinados aspectos ou por mudanças nas leis régias desses regimes políticos. Acredito que o Brasil está nos primeiros ventos de uma crise assim. Porém, não tem a ver com a burguesia estar indecisa entre manter sua democracia burguesa com a social-democracia ou arriscar uma ditadura fascista com o nazismo. 

O fato histórico de o Brasil ser um país de economia dominada (que parece mais com uma semi-colônia) e da história de submissão de sua elite, que desde cedo aceitou sê-la. Isto formou uma burguesia débil e acomodada com a sua posição em relação com as burguesias imperialistas. Essa debilidade se expressou também na incapacidade de garantir o regime democrático burguês por muito tempo, tendo que recorrer a grandes períodos de ditaduras; fosse por necessidade própria ou fosse por necessidade da burguesia imperialista. 

Vivemos hoje o maior período democrático da história brasileira e isso se deve especialmente à classe proletária, que foi a principal responsável pela derrubada da ditadura militar. Porém, o suposto regime democrático recém-nascido brasileiro já mostrava seus limites por não conseguir abarcar/conter os anseios dos trabalhadores e a confiança dessa classe em si mesma após grandes vitórias. Daí a turbulência dos primeiros anos com Sarney e Collor depois. Turbulência que ameaçava essa forma de dominação da burguesia. A “estabilização” só foi conseguida graças à traição dos principais dirigentes que a classe proletária formou. Isto fez com que aquele descontentamento, aquela raiva dos explorados, aquele desejo por justiça fossem desviados das greves e protestos e canalizados para as eleições burguesas. Quem permitiu isto? O PT! 

Esse processo existe desde meados da década de 1980 e dois grandes fatos o marcam em seu início: a direção majoritária do PT cancelou o chamado para a greve geral nas Diretas Já! o que ajudou a burguesia a aplicar sua “transição segura”, com Tancredo Neves e Sarney; já no Fora Collor, eles se negaram a intensificar a luta e a chamar a palavra de ordem de novas eleições, o que ajudou mais uma vez a burguesia a não perder o controle. Esse processo ficou ainda mais claro e forte para as massas exploradas após a eleição de Lula para presidente (e os sucessivos governos do PT com Lula e Dilma) quando os movimentos, sindicatos e a CUT, a UNE e o MST frearam as lutas e entregaram outras tantas, diminuindo enormemente a ameaça da classe trabalhadora a esta forma de dominação: regime democrático burguês. Por isso podemos dizer que o PT traiu historicamente a classe proletária! Ele foi responsável por parar o maior e mais classista ascenso do movimento operário brasileiro até agora. Porém, a chegada do PT à presidência foi também o início do processo que poderia levar o PT a sua ruptura com a classe proletária. Essa ruptura está longe de ser algo ruim para os trabalhadores porque o PT de hoje se transformou em um muro de contenção no meio do caminho da correnteza da revolução proletária.

Ou seja, o atual período democrático é o mais longo da história porque a burguesia conseguiu postergar os grandes embates entre as classes que poderiam ameaçar sua dominação sob esse regime democrático burguês. Mas, devido a sua debilidade e também a numerosa e poderosa classe proletária brasileira, somente conseguiu isso com o auxílio do PT. Isto faz com que, uma vez que o PT e Lula percam o controle sobre os trabalhadores, a época das turbulências tende a voltar e o regime democrático burguês tende a ser incapaz de abarcar/conter as massas exploradas novamente. É por isso que a tal “crise de representatividade” parece ser uma das primeiras mostras da crise da dominação burguesa. Diferentemente da Alemanha pré-Hitler, o dilema que vai tomando conta da burguesia no Brasil é “ruim com PT, pior sem PT”: manter o PT mesmo com ele perdendo todo dia seu controle sobre os trabalhadores, ou apoiar um governo abertamente burguês que enfrentará a resistência da classe proletária sem o para-choque dos reformistas da magnitude de Lula e PT? Eis o dilema, já que não há hoje (neste momento!) no Brasil a alternativa fascista. 

Trotsky disse que era “um erro capital só enxergar dificuldades e perigos” na situação da Alemanha de 1930. Seguiu, “a situação abre imensas possibilidades, com a condição de que seja esclarecida, compreendida até o fim e bem utilizada”2. Se foi um “erro capital” só ver dificuldades e perigos naquela Alemanha onde existia um verdadeiramente poderoso partido fascista, essa visão aplicada ao Brasil de hoje não será menos que um grande erro. As possibilidades podem ser gigantescas para a classe proletária e sua vanguarda revolucionária.

No horizonte começamos a ver novamente a possibilidade da revolução socialista e é este o caminho que os trabalhadores precisam seguir para acabar de vez com a exploração e opressão.

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1TROTSKY, Leon. Revolução e Contrarrevolução na Alemanha. São Paulo: Editora Instituto José Luís e Rosa Sundermann, 2011, p. 61.
2TROTSKY, Leon. Revolução e Contrarrevolução na Alemanha. São Paulo: Editora Instituto José Luís e Rosa Sundermann, 2011, p. 66.

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