O MERCADO NÃO É MAIS NOSSO: "Fomos expulsos; não desistimos de trabalhar!"

Jóe José Dias

O PSTU esteve na casa do Sr. Mário Valgas, 68 anos, natural do bairro Saco Grande e residente no bairro João Paulo há quarenta anos. “Seu Mário”, como é conhecido no bairro, trabalhou no Mercado Público durante 42 anos. Ele nos conta o que passou (e está passando) com a remodelação do “Novo Mercado” e como estas mudanças estão influenciando no cotidiano da nossa cidade.


Qual sua relação com o mercado público?

Trabalhei no mercado, como vendedor, por cerca de 42 anos. Comecei neste ramo de comerciante em 1972. Naquela época, não havia licitação, não havia sequer um plano de urbanização do prédio do mercado; o que havia era um contrato firmado com a prefeitura, renovável de quatro
em quatro anos, mais um alvará de licença de funcionamento, já que, naquela época, éramos feirantes: trabalhávamos com frutas e verduras. Contudo, minha relação com o mercado público começou bem antes, por volta de 1958, quando, ainda criança, trabalhava como empregado de um peixeiro. Naquela época os peixes chegavam de madrugada, por volta das 04h e, se não fossem vendidos até por volta das 10 horas da manhã, jogavam creolina em cima, pois corriam sério risco de estarem estragados. Era tanto o desperdício, que alguns chegavam a fazer adubo de peixes.

O senhor afirmou que à época em que trabalhava, lá pelos idos dos 70, não havia um processo de licitação. O que mudou de lá para cá? E se mudou, foi em que gestão da prefeitura que esta mudança ocorreu?

Ao contrário do que estão noticiando, não foi o Cesar Souza quem começou com essa história de licitação. Primeiramente, quero deixar bem claro que
não sou contra as licitações, pelo contrário. Nem eu, nem meus colegas do mercado. Somos sim, contrários, ao modelo de licitação adotado pela prefeitura, que não respeitou nossa história, nem nossa relação com o mercado e com os nossos clientes. Assim como eu, havia gente lá há quase 60 anos e gente ainda mais velha, se pensarmos que “herdaram” de seus familiares o espaço para o trabalho. Na prática, fomos nós quem cuidamos daquele prédio, quem o financiamos e que se hoje é um patrimônio da cidade, dos moradores desta cidade, deve-se a nós, os trabalhadores do mercado, e não à prefeitura simplesmente.

Mas voltemos ao assunto. Como dizia, essa história de licitação começou na gestão do atual prefeito, mas já na gestão do Sérgio Grando. Na época, a prefeitura reunia-se conosco, juntamente com o ministério público e o Iphan. Contudo, as discussões não se aprofundaram e as negociações encerraram aí mesmo. O assunto da licitação começou a se manifestar com força na segunda gestão do Dário Berger. Segundo a prefeitura, era necessário licitar o prédio, já que era exigência do ministério público da união; caso a prefeitura não a fizesse teria que pagar uma multa diária, da qual não me recordo ao valor, cerca de 10 reais, se não me engano. Ao menos era isso que nos diziam. O fato é que a licitação aconteceu e não nos foi dada outra saída que não sairmos pela porta dos fundos e ainda mais escorraçados pela polícia.

E há, por parte da prefeitura, um plano de realojamento para vocês?

A prefeitura nos realojou, no final do ano, no terminal cidade de Florianópolis. Eu acho que foi uma espécie de compensação para que não passássemos o natal em branco. Seria uma natal muito triste para nós, com todas essas mercadorias estocadas e não podendo vendê-las. Desovei muita coisa, mas, como podes ver, ainda há uma garagem inteira de mercadoria estocada; e o João Paulo não é um bairro para este tipo de coisa. Quem irá comprar minhas mercadorias aqui? Mesmo depois deste mês, tentamos mais uma vez negociar com o atual prefeito, que nos argumentou da impossibilidade, já que era uma exigência do ministério público da união.

Vou ter ser sincero: o que a prefeitura fez com o mercado público foi um crime; privatizaram-no. Eu nem sei se se chamará mais de mercado público depois disso tudo, pois tornaram-no um espaço destinado às grifes. Para teres uma ideia de como ficará, de todas aquelas lojinhas de calçados da ala norte, restarão apenas nove, ainda sim com mercadorias mais caras e sofisticadas, com espaços maiores.

Aquele público que frequentava o mercado para comprar uma sandália, um tênis mais em conta, não irá mais. E o pior é que não podemos fazer nada para reverter a situação, já que tornou-se inviável continuarmos lá. Para teres uma ideia, as licitações variam de 30 a 510 mil, com prazo de renovação a cada 15 anos. Contudo, esses espaços de 30 mil reais serão espaços de 6m2 destinados a feirantes. Diga-me uma coisa: com tantos supermercados grandes na cidade, com feiras, sacolão e mesmo com a feira da alfândega, achas mesmo que alguém se atreverá a ir até o mercado comprar uma alface? Se for um tolo, pode ser que sim. Em suma, o espaço mais barato para o nosso caso, seria o de 150 mil reais. Realmente impossível. Perdemos nós; perdeu a cidade, penso.

O que ficará então do velho mercado?

Nada; praticamente nada. Como eu disse, se tornou um espaço para lojas mais sofisticadas, com bastantes bares. Até a arquitetura passará por grandes mudanças. Ficará bonito, é verdade... Mas para quem? Para desfrute de quem?
Ficará triste o mercado, pois não será mais frequentado pelo “povão”, pelas classes mais baixas e até classe média. Não vou afirmar que ficarão somente bares, boutiques. Ficarão também algumas peixarias, é claro, bem como uma padaria na esquina, se não me engano. Mas certamente serão espaços mais elitizados, sofisticados e caros; até monitorados. A modificação, as melhorias são inevitáveis... e acho que não há comerciante que não pense assim. O que não aprovamos, foi a forma abrupta como vieram, destruindo tudo pela frente. Hoje mesmo conversei com um colega, pela manhã, que afirmou que nosso advogado disse que há boas chances de sermos indenizados, mesmo porque trabalhar em um local por 42 anos, pagando seus impostos em dia, os tributos referentes ao CNPJ, o Simples, enfim, todos os encargos que este país nos cobra mensalmente, nos dá o direito de reivindicar alguma coisa, de exigir algo. Não podíamos ser despejados como fomos e nos calar. É muito triste o que aconteceu.
 
Olha, estou com a minha firma ainda aberta; não posso fechá-la sem antes esvaziar o meu depósito e comprovar, mediante a emissão de notas fiscais, a venda de minhas mercadorias. Agora ficarei eu pagando tributos referentes a minha empresa, sem poder faturar com ela. Tem cabimento isso? Sabes quanto foi o valor do Simples somente neste mês? 760 reais. E sabes quanto faturei? Nenhum centavo. Não é justo. Fomos expulsos; não desistimos de trabalhar; fomos despejados. Tendo em vista o tamanho do meu estoque, podes calcular aí o tamanho do prejuízo. Penso o seguinte: já que fui despejado, a receita, a fazenda, deveria me autorizar a fechar minha empresa para que eu não pagasse mais os impostos referentes a ela. Mas não é isso o que acontece, infelizmente.

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